A estrutura societária de uma empresa é um dos pilares da sua saúde jurídica e fiscal. Uma decisão aparentemente simples, como a entrada de um novo parceiro, pode ter implicações profundas no regime tributário do seu negócio. Uma das dúvidas mais comuns e perigosas para gestores de PMEs é sobre a possibilidade de admitir um sócio pessoa jurídica em uma empresa optante pelo Simples Nacional.
Essa questão vai muito além de uma simples alteração no contrato. Envolve o cumprimento de regras estritas impostas pela Receita Federal e pode levar à consequência mais temida pelos pequenos empresários: a exclusão do regime tributário mais vantajoso do país.
Neste artigo completo, vamos desvendar essa regra, explicar a base legal por trás da proibição e mostrar o passo a passo para agir caso sua empresa se encontre nessa situação. Entender essas nuances é crucial para garantir a conformidade fiscal e evitar multas e dores de cabeça com o Fisco.
Principais Destaques
- A Lei 123/2006 proíbe expressamente a participação de PJ no capital de empresa optante.
- A consequência é a exclusão obrigatória a partir do mês seguinte ao evento.
- É preciso comunicar a exclusão e migrar para Lucro Presumido ou Real retroativamente.
- A vedação é dupla: empresa do Simples também não pode ser sócia de outra.
O que é um sócio pessoa jurídica e por que isso importa?

Para entender o cerne da questão, primeiro precisamos diferenciar os tipos de sócios. Um sócio pessoa física (PF) é um indivíduo, com CPF, que participa do capital de uma empresa. Já um sócio pessoa jurídica (PJ) é quando outra empresa, com seu próprio CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), detém uma parte ou a totalidade das quotas de um negócio.
Mas por que uma empresa teria outra como sócia? As razões são diversas e estratégicas. Isso pode ocorrer em cenários de investimento, onde uma empresa maior aporta capital em uma startup promissora. Também é comum em fusões, aquisições, ou na criação de holdings, que são empresas criadas para controlar outras. Essa estrutura pode otimizar a gestão de múltiplos negócios e facilitar transações corporativas.
O ponto crucial, no entanto, é que a natureza do sócio impacta diretamente o regime tributário da empresa. O Simples Nacional, por ser um regime favorecido e simplificado, possui regras de elegibilidade muito restritas, e a composição do quadro societário é uma das principais. Admitir o tipo errado de sócio pode desenquadrar sua empresa automaticamente.
A Regra Clara: Empresa do Simples Nacional pode ter sócio PJ?

A resposta é direta e inequívoca: não. Uma empresa optante pelo Simples Nacional não pode ter em seu quadro societário uma pessoa jurídica. Essa é uma das principais vedações para a permanência no regime.
A lógica por trás dessa proibição é proteger a finalidade do Simples Nacional. O regime foi criado para beneficiar microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), simplificando a arrecadação de impostos e reduzindo a carga tributária para negócios genuinamente pequenos. A participação de outra empresa no capital social descaracterizaria essa natureza. O legislador entende que, se uma empresa tem outra como sócia, ela faz parte de uma estrutura econômica maior e mais complexa, não se enquadrando mais no perfil de pequeno negócio que o regime visa proteger.
É importante destacar que o impedimento inverso também é verdadeiro. Uma empresa optante pelo Simples Nacional também não pode participar do capital social de outra pessoa jurídica. A vedação funciona em uma via de mão dupla, reforçando o caráter autônomo e de pequeno porte exigido para usufruir dos benefícios do regime.
Fundamentação Legal: O que diz a Lei Complementar nº 123/2006?

A proibição não é uma mera interpretação ou uma regra interna da Receita Federal do Brasil. Ela está claramente expressa na legislação que rege o tema. A principal norma é a Lei Complementar nº 123/2006, conhecida como o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
Essa lei instituiu o Simples Nacional e estabelece todas as suas condições, limites e vedações. Para encontrar a regra sobre o sócio pessoa jurídica, devemos olhar para o Artigo 3º, que define quem pode se beneficiar do tratamento diferenciado. Mais especificamente, o § 4º desse artigo lista quem não pode se enquadrar no regime.
O inciso VII do § 4º do Art. 3º é cristalino:
> “Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar […] a pessoa jurídica cujo capital participe outra pessoa jurídica.”
A redação não deixa margem para dúvidas. A simples participação de uma PJ no capital social, independentemente do percentual, já constitui um fator impeditivo para a adesão ou permanência no Simples Nacional. Portanto, qualquer alteração contratual que inclua uma empresa como sócia em um negócio optante pelo Simples é uma infração direta à lei.
Consequência Imediata: A Exclusão Obrigatória do Simples Nacional

Quando uma empresa do Simples Nacional admite um sócio PJ, a consequência é automática e severa: a exclusão do Simples Nacional. Isso significa que a empresa perde o direito de apurar seus impostos de forma unificada e com alíquotas reduzidas, sendo obrigada a migrar para outro regime tributário, como o Lucro Presumido ou o Lucro Real.
O processo de exclusão não é opcional. A lei determina que a empresa deve ser desenquadrada a partir do primeiro dia do mês seguinte àquele em que ocorreu o evento impeditivo. Por exemplo, se a alteração no Contrato Social incluindo o sócio PJ foi registrada na Junta Comercial em 15 de maio, a empresa já estará fora do Simples a partir de 1º de junho.
Existem duas formas de essa exclusão ocorrer:
- Comunicação Obrigatória (Voluntária): O contribuinte, ao perceber a situação, tem a obrigação legal de comunicar sua exclusão à Receita Federal através do Portal do Simples Nacional.
- Exclusão de Ofício: Se a empresa não comunicar a irregularidade, a Receita Federal pode identificá-la por meio de cruzamento de dados. Nesse caso, ocorre a exclusão de ofício, que geralmente vem acompanhada de multas e juros sobre os impostos que deveriam ter sido pagos no novo regime desde a data do desenquadramento.
Minha empresa admitiu um sócio PJ. E agora? Passos para Regularização

Se você se encontra nessa situação, é fundamental agir rapidamente para evitar problemas maiores. Ignorar o fato só agravará as penalidades. O caminho correto envolve regularizar a situação jurídica e fiscal da empresa. Aqui estão os passos essenciais:
Passo 1: Comunicar a Exclusão do Simples Nacional A primeira e mais urgente medida é acessar o Portal do Simples Nacional e registrar a “Comunicação Obrigatória de Exclusão”. Você deverá informar o motivo da exclusão (participação de PJ no capital) e a data do evento. Isso formaliza o desenquadramento e demonstra boa-fé ao Fisco.
Passo 2: Realizar a Alteração do Contrato Social Paralelamente, a entrada do novo sócio deve ser formalizada legalmente. É preciso elaborar a alteração do Contrato Social, incluindo os dados do sócio PJ, e registrá-la na Junta Comercial do seu estado. Esse documento é a prova da data em que o impedimento ocorreu.
Passo 3: Apurar os Impostos Retroativamente Este é o passo mais crítico e que exige apoio profissional. A partir do mês seguinte à entrada do sócio PJ, sua empresa já não é mais do Simples. Portanto, todos os impostos (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS/ICMS) desse período em diante devem ser recalculados e pagos segundo as regras do novo regime tributário, que geralmente será o Lucro Presumido.
É imprescindível contar com o suporte de um contador experiente. Ele fará a apuração retroativa, gerará as novas guias de impostos com os valores corretos, e cuidará do envio das novas obrigações acessórias exigidas pelo novo regime.
Alternativas de Regime Tributário: Lucro Presumido e Lucro Real

Uma vez excluída do Simples Nacional, a empresa precisa operar em um dos regimes tributários tradicionais. As duas principais alternativas são o Lucro Presumido e o Lucro Real.
O Lucro Presumido é a opção mais comum para empresas que saem do Simples. Nele, a Receita Federal presume um percentual de lucro sobre o faturamento, que varia conforme a atividade (CNAE) da empresa. Sobre essa base de lucro presumida, são aplicadas as alíquotas de IRPJ e CSLL. PIS e COFINS incidem diretamente sobre a receita bruta. É um regime mais simples que o Lucro Real, mas exige mais obrigações que o Simples.
Já o Lucro Real é um regime mais complexo, onde os impostos são calculados sobre o lucro contábil real da empresa, após todos os ajustes fiscais. Ele é obrigatório para empresas com faturamento anual acima de R$ 78 milhões e vantajoso para negócios com margens de lucro apertadas ou que operam com prejuízo, pois nesses casos não há imposto sobre o lucro a pagar. Suas obrigações acessórias são muito mais complexas.
O Inverso Também é Proibido: Simples Nacional como Sócio

Como mencionado anteriormente, a regra é uma via de mão dupla. É fundamental reforçar que uma empresa optante pelo Simples Nacional também está proibida de participar do capital de outra pessoa jurídica.
Muitos empreendedores, ao expandir seus negócios, consideram abrir uma nova empresa (uma filial ou um novo CNPJ para uma atividade diferente) e colocar sua empresa principal, optante pelo Simples, como sócia. Essa estrutura é ilegal e gera a mesma consequência: a exclusão do Simples Nacional da empresa investidora.
O motivo é o mesmo: evitar a formação de grupos econômicos que se beneficiem indevidamente de um regime destinado a empresas verdadeiramente pequenas e independentes. A Receita Federal considera que, ao investir em outra operação, a empresa do Simples demonstra ter uma capacidade financeira e uma complexidade de gestão que extrapolam o perfil do regime simplificado. As consequências e os passos para regularização são idênticos ao caso do sócio PJ.
Planejamento Societário: Como Evitar Problemas com o Fisco

A melhor forma de lidar com a exclusão do Simples Nacional é, sem dúvida, evitá-la. A maioria dos casos de desenquadramento por participação de sócio PJ ocorre por falta de informação ou de um bom planejamento societário.
Antes de qualquer alteração na estrutura da sua empresa, como a entrada de um novo sócio, a venda de quotas ou a criação de uma nova empresa, é vital consultar seus assessores. Um contador e um advogado especialista em direito empresarial são os profissionais ideais para essa análise.
Eles poderão avaliar o impacto tributário da mudança pretendida, garantir que a nova estrutura esteja em conformidade com a legislação e apresentar alternativas, se necessário. Uma análise prévia pode economizar milhares de reais em impostos pagos retroativamente, multas e juros, além de preservar a saúde fiscal e jurídica do seu negócio a longo prazo. Lembre-se: no mundo empresarial, decisões societárias e tributárias andam sempre juntas.
Perguntas Frequentes
O que acontece se a Receita Federal descobrir o sócio PJ antes de eu comunicar?
Se a Receita Federal identificar a irregularidade, ela promoverá a exclusão de ofício. A empresa será notificada e desenquadrada retroativamente, com a cobrança dos impostos devidos no novo regime acrescidos de multa de ofício (geralmente 75%) e juros Selic.
Posso voltar para o Simples Nacional depois de ser excluído por ter um sócio PJ?
Sim, é possível. Após regularizar a situação (ou seja, remover o sócio PJ do quadro societário), a empresa pode solicitar um novo enquadramento no Simples Nacional. Contudo, a solicitação só pode ser feita em janeiro do ano seguinte, com efeitos a partir de então.
Qual o prazo para comunicar a exclusão voluntária do Simples Nacional?
A comunicação obrigatória da exclusão deve ser realizada até o último dia útil do mês seguinte àquele em que ocorreu a situação de impedimento. Perder esse prazo pode sujeitar a empresa a penalidades.
Por que existe essa proibição de sócio PJ no Simples Nacional?
A proibição existe para preservar o propósito do regime, que é beneficiar micro e pequenas empresas de fato. A participação de outra empresa no capital indica uma estrutura econômica mais complexa, que não se encaixa no perfil de negócio que a lei visa proteger e incentivar.
Conclusão
A regra sobre a participação de um sócio pessoa jurídica em uma empresa do Simples Nacional é clara e a sua violação traz consequências sérias e imediatas. A vedação legal, prevista na Lei Complementar nº 123/2006, visa garantir que apenas negócios genuinamente pequenos se beneficiem do regime simplificado.
Caso sua empresa tenha admitido um sócio PJ, a exclusão do Simples é obrigatória e inevitável. Agir rapidamente, comunicando o desenquadramento e recalculando os impostos com o auxílio de um contador, é o único caminho para minimizar os prejuízos e manter a conformidade fiscal. Lembre-se sempre que um planejamento societário e tributário cuidadoso é a melhor ferramenta para evitar surpresas desagradáveis e garantir um crescimento sustentável para o seu negócio.
Referências
- Receita Federal do Brasil: https://www.gov.br/pt-br/orgaos/secretaria-especial-da-receita-federal-do-brasil
- Simples Nacional: https://www.santander.com.br/blog/simples-nacional-como-funciona
- Lucro Presumido: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/cidadania-tributaria/por-assunto/irpj-csll/lucro-real-lucro-presumido-e-lucro-arbitrado
- Lucro Real: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/cidadania-tributaria/por-assunto/irpj-csll/lucro-real-lucro-presumido-e-lucro-arbitrado
- Receita Federal: https://www.gov.br/pt-br/orgaos/secretaria-especial-da-receita-federal-do-brasil
- Junta Comercial: https://www.totvs.com/blog/negocios/junta-comercial/
- ICMS: https://www.santander.com.br/blog/o-que-e-icms
- Lei Complementar nº 123/2006: https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/lei-123-2006/
- Contrato Social: https://www.totvs.com/blog/gestao-para-assinatura-de-documentos/contrato-social/
- CNPJ: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas-e-atividades/cnpj-alfanumerico
Sobre o Autor
Júnior Araújo
- Título: Contador e CEO da Junior Contador Digital;
- Registro CRC: SP-345376;
- Formação: Ciências Contábeis – Faculdade de Americana (FAM);
- Expertise Principal: Consultoria contábil e fiscal estratégica, com foco em estratégias de estruturação de holdings patrimoniais, planejamento tributário e otimização fiscal para empresas de diversos portes.
- Conhecimento Adicional: Integração de tecnologia em processos contábeis, Normas IFRS;
- Papel no Blog: Editor-Chefe e autor, compartilhando conhecimento prático para PMEs.
