O Contrato Social é muito mais do que uma mera formalidade para abrir um CNPJ. Ele é a “constituição” da sua empresa, o documento jurídico que estabelece as regras fundamentais do jogo e o acordo de vontades entre os sócios. Pense nele como a certidão de nascimento e o manual de regras do seu negócio, tudo em um só lugar. Sua estrutura básica é regida pelo Código Civil, mas a sua eficácia vai muito além do que a lei exige como mínimo.
Um contrato bem elaborado protege o patrimônio pessoal dos sócios (especialmente na Sociedade Limitada – LTDA), define responsabilidades, previne conflitos e, acima de tudo, dá a segurança jurídica necessária para o negócio crescer de forma sustentável. Operar sem ele, ou com um documento falho, é como construir um prédio sem fundação. Por isso, é fundamental resistir à tentação de usar modelos prontos da internet. Eles são genéricos, não refletem a realidade do seu negócio e podem criar brechas que custarão caro no futuro.
As Cláusulas Obrigatórias (O Mínimo Exigido por Lei)

O Art. 997 do Código Civil estabelece um conteúdo mínimo que todo Contrato Social deve ter para ser registrado. Vamos detalhar as principais.
1. Qualificação dos Sócios, Nome e Sede da Empresa
Esta é a cláusula de identificação. Ela deve conter os dados completos de cada sócio (nome, nacionalidade, estado civil, profissão, CPF, RG e endereço) e as informações essenciais da empresa, como o Nome Empresarial (Razão Social) e o endereço completo da sede.
Por exemplo: “João da Silva, brasileiro, casado, empresário, portador do CPF nº…, e Maria Oliveira, brasileira, solteira, administradora, portadora do CPF nº…, constituem a sociedade empresária ‘Alfa Soluções em Tecnologia Ltda.’, com sede na Rua das Flores, nº 123, Sala 10, Centro, São Paulo/SP, CEP 01000-000”.
A precisão aqui é crucial. Qualquer erro de digitação ou dado desatualizado pode causar exigências na Junta Comercial, atrasando o registro e o início das operações. Essa clareza garante a identificação da empresa e de seus responsáveis perante o governo, bancos, fornecedores e clientes.
2. Objeto Social: O DNA da sua Atividade
O objeto social é a descrição detalhada e precisa das atividades econômicas que a empresa irá exercer. Comparar um objeto genérico como “serviços de consultoria” com um específico e seguro como “Consultoria em gestão financeira e planejamento tributário para pequenas e médias empresas” ilustra a importância da clareza.
Essa definição é estratégica, pois determina o enquadramento nos códigos CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas). O CNAE, por sua vez, impacta diretamente no regime tributário (se a empresa pode ou não optar pelo Simples Nacional, por exemplo) e nas licenças operacionais necessárias. Um objeto muito restrito pode limitar a expansão futura do negócio, enquanto um objeto amplo demais pode levar a um enquadramento fiscal incorreto, resultando no pagamento de impostos a maior.
3. Capital Social e a Participação de Cada Sócio
Esta cláusula define o montante de recursos (em dinheiro ou bens) que os sócios se comprometem a investir para dar o pontapé inicial na empresa. É comum encontrar os termos “subscrever” (o ato de prometer o valor) e “integralizar” (o ato de efetivamente transferir o valor para a empresa).
Exemplo: “O Capital Social é de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), dividido em 20.000 quotas no valor nominal de R$ 1,00 (um real) cada, subscrito e integralizado neste ato, em moeda corrente nacional, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada sócio”.
Em uma sociedade LTDA, a responsabilidade de cada sócio é limitada ao valor de suas quotas. Além disso, o capital social funciona como uma garantia inicial para credores e pode ser um critério para a obtenção de crédito. Um capital muito baixo pode transmitir desconfiança ao mercado, enquanto a integralização com bens (imóveis, veículos) exige avaliação e pode ter implicações tributárias específicas.
As Cláusulas Estratégicas (Que Protegem o Futuro do Negócio)

Se as cláusulas anteriores formam o esqueleto do contrato, as cláusulas a seguir são os “órgãos vitais”. Elas não são todas obrigatórias por lei, mas são as que realmente protegem os sócios e a empresa de crises e disputas futuras.
4. Administração da Sociedade: Quem Manda e Como?
Aqui se define quem será o administrador, quais são seus poderes e, principalmente, seus limites. A administração pode ser exercida por um sócio, por todos (atuando em conjunto ou isoladamente) ou até por um profissional não-sócio contratado para a função, conforme detalha o Manual de Registro de Sociedade Limitada.
Esta cláusula evita o caos sobre quem pode contratar, demitir, comprar ou contrair empréstimos. É fundamental definir se o administrador precisa da assinatura de outro sócio para atos importantes, como a venda de ativos ou a tomada de empréstimos acima de um determinado valor. Se o contrato for omisso, a lei presume que todos os sócios podem administrar em nome da empresa.
5. Distribuição de Lucros: A Recompensa do Risco
Esta cláusula estabelece como os resultados positivos da empresa serão divididos. A regra padrão é a distribuição proporcional à participação de cada sócio no capital social. Contudo, o contrato pode prever uma distribuição desproporcional.
Por exemplo, um sócio com 50% do capital pode ter direito a 70% dos lucros como forma de recompensar sua dedicação integral ao negócio ou sua contribuição estratégica superior. Essa flexibilidade é uma ferramenta poderosa para criar um acordo justo. No entanto, atenção: a distribuição desproporcional só é válida se estiver expressamente prevista no Contrato Social. Caso contrário, a Receita Federal pode interpretá-la como doação, gerando tributação.
6. Regras para Deliberações Importantes
Aqui se define o quórum (o percentual de capital social necessário) para aprovar decisões críticas. Por exemplo: “A alteração do contrato social, a fusão, a incorporação ou a venda da empresa exigirá a aprovação de sócios que representem, no mínimo, 75% do capital social”.
Essa cláusula é vital para proteger sócios minoritários de decisões unilaterais da maioria, forçando um consenso maior em temas que podem mudar o rumo da empresa. O desafio é encontrar o equilíbrio: quóruns muito altos podem engessar a gestão, enquanto quóruns muito baixos podem marginalizar os minoritários.
7. Exclusão de Sócio por Justa Causa
Esta é uma cláusula de defesa. Ela autoriza a maioria dos sócios a excluir um sócio minoritário que cometa uma falta grave, colocando em risco a continuidade da empresa. Exemplos de justa causa incluem concorrência desleal, desvio de fundos, quebra de confidencialidade ou uma condenação criminal que impeça o exercício da atividade.
A previsão da exclusão de sócio por justa causa no contrato permite que o procedimento seja feito de forma extrajudicial (diretamente na Junta Comercial), o que é muito mais rápido e barato do que uma disputa judicial, que pode se arrastar por anos.
8. Cessão de Quotas e Direito de Preferência
Esta cláusula define o que acontece se um sócio decidir vender sua participação. O “direito de preferência” é o mecanismo central aqui: ele obriga o sócio que deseja sair a oferecer suas quotas primeiro aos sócios remanescentes, nas mesmas condições (preço e prazo) oferecidas por um terceiro.
O objetivo é claro: impedir a entrada de um estranho indesejado na sociedade sem o consentimento dos demais, mantendo o controle do negócio nas mãos do grupo original. A ausência desta cláusula pode forçar você a aceitar um concorrente ou uma pessoa sem qualquer afinidade como seu novo parceiro.
9. Apuração de Haveres: A Regra do Jogo para a Saída
Esta é uma das cláusulas mais importantes para evitar brigas futuras. Ela estabelece o critério técnico que será usado para calcular o valor a ser pago ao sócio que se retira, é excluído ou falece (neste caso, para seus herdeiros).
Existem diferentes métodos, como o “Balanço Patrimonial Contábil” (baseado no valor de registro dos ativos) ou o “Balanço de Determinação” (que reavalia os ativos a preço de mercado). Definir essa regra previamente, enquanto todos estão em harmonia, evita discussões intermináveis e desgastantes no momento da saída. Se o contrato for omisso, a lei determina um critério padrão que pode não ser o mais justo ou financeiramente viável para a empresa pagar.
10. Pró-labore: O “Salário” do Sócio
O pró-labore é a remuneração mensal fixa paga ao sócio que efetivamente trabalha na administração da empresa. É fundamental diferenciá-lo da distribuição de lucros: o pró-labore é uma despesa operacional da empresa (e sobre ele incide INSS), enquanto o lucro é o resultado do negócio (e sua distribuição é isenta de Imposto de Renda para o sócio).
Definir um valor de pró-labore organiza as finanças, evitando retiradas aleatórias que sangram o fluxo de caixa. O valor deve ser compatível com as funções exercidas e com a saúde financeira da empresa para não gerar questionamentos do Fisco.
Checklist Prático: Seu Contrato Social Está em Dia?

Use esta lista rápida para avaliar a saúde do seu contrato atual ou para não esquecer de nada ao criar um novo.
- ✅ Meu objeto social descreve TODAS as atividades que a empresa realmente executa?
- ✅ A forma de administração e os poderes dos sócios-administradores estão claramente definidos?
- ✅ Existe uma cláusula de distribuição de lucros? Ela reflete a contribuição real de cada sócio ou precisa ser desproporcional?
- ✅ Tenho uma cláusula que permite a exclusão de sócio por justa causa?
- ✅ As regras para a venda de quotas e o direito de preferência dos sócios estão claras?
- ✅ O critério para cálculo do pagamento na saída de um sócio (apuração de haveres) está definido?
- ✅ O contrato foi elaborado ou revisado por um contador ou advogado especialista?
Perguntas Frequentes sobre o Contrato Social

Posso usar um modelo de contrato social da internet?
Não é recomendado. Modelos prontos são genéricos e não conseguem prever as particularidades da relação entre os sócios e as necessidades específicas do seu negócio. O “barato” de usar um modelo pode custar muito caro em uma disputa societária, um processo judicial ou na perda de um benefício fiscal — problemas que poderiam ser facilmente evitados com cláusulas personalizadas.
O que acontece se uma cláusula obrigatória faltar no contrato?
A Junta Comercial pode indeferir o registro do ato, emitindo uma “exigência” para que o documento seja corrigido. Se, por alguma falha, o registro for efetuado mesmo com a ausência da cláusula, cria-se um vácuo jurídico. Esse vácuo será preenchido pela regra geral prevista no Código Civil, que nem sempre é a mais vantajosa ou desejada pelos sócios.
Preciso de um advogado para fazer o Contrato Social?
Para Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP), a lei dispensa o visto de um advogado no contrato, conforme o Manual de Registro de Sociedade Limitada. No entanto, o acompanhamento de um contador é indispensável para garantir o correto enquadramento da empresa. Além disso, a consulta a um advogado empresarial é sempre recomendável para assegurar que o contrato seja uma verdadeira ferramenta de proteção, e não apenas mais um papel na gaveta.
Sobre o Autor
Júnior Araújo
- Título: Contador e CEO da Junior Contador Digital;
- Registro CRC: SP-345376;
- Formação: Ciências Contábeis – Faculdade de Americana (FAM);
- Expertise Principal: Consultoria contábil e fiscal estratégica, com foco em estratégias de estruturação de holdings patrimoniais, planejamento tributário e otimização fiscal para empresas de diversos portes.
- Conhecimento Adicional: Integração de tecnologia em processos contábeis, Normas IFRS;
- Papel no Blog: Editor-Chefe e autor, compartilhando conhecimento prático para PMEs.
Referências
- Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002): https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
- Manual de Registro de Sociedade Limitada (DREI): https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/drei/legislacao/instrucoes-normativas/arquivos-instrucoes-normativas-em-vigor/anexo-iv-limitada_link.pdf“`