Enfrentar um período de prejuízo é uma realidade para muitas empresas em fase de crescimento ou durante instabilidades de mercado. A legislação tributária brasileira, ciente disso, permite que esses resultados negativos sejam compensados com lucros futuros, aliviando a carga de impostos. Contudo, essa compensação não é ilimitada. É aqui que entra a trava de 30%, uma regra fundamental e muitas vezes mal compreendida por gestores e empreendedores.
A “trava de 30%” é uma limitação imposta pela legislação fiscal brasileira que restringe a compensação de prejuízos fiscais de períodos anteriores a, no máximo, 30% do lucro real apurado no período atual. Essa regra impacta diretamente o cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para empresas do regime do Lucro Real. Compreender essa norma é vital para um planejamento financeiro preciso e para evitar surpresas no caixa.
O objetivo deste guia completo é desmistificar a trava de 30%. Vamos explorar o que é o prejuízo fiscal, por que essa limitação existe, como ela funciona com um exemplo prático e qual o seu verdadeiro impacto no planejamento tributário da sua empresa. Dominar este conceito é um passo essencial para uma gestão fiscal eficiente e para a construção de uma sólida estratégia de planejamento tributário.
Principais Destaques
- A compensação de prejuízos fiscais é limitada a 30% do lucro do período.
- O saldo de prejuízo não utilizado não expira e pode ser usado em anos futuros.
- A regra afeta diretamente o fluxo de caixa, exigindo pagamento de impostos mesmo com prejuízos.
- Esta trava é uma regra exclusiva para empresas do regime de Lucro Real.
O que é Prejuízo Fiscal e como ele é gerado?

Para entender a trava, primeiro precisamos definir o que é prejuízo fiscal. Muitas vezes confundido com o prejuízo contábil, os dois conceitos são distintos e possuem apurações diferentes. O prejuízo contábil é o resultado negativo apurado na Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), considerando todas as receitas e despesas da empresa.
Já o prejuízo fiscal é uma figura puramente tributária. Ele é calculado no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), que é onde a mágica acontece. A empresa parte do lucro (ou prejuízo) contábil e faz uma série de ajustes – as chamadas adições e exclusões – para chegar à base de cálculo dos impostos. Adições são despesas que a contabilidade aceita, mas o Fisco não (como multas não dedutíveis), e exclusões são receitas que não são tributadas.
Quando o resultado final desses ajustes sobre o resultado contábil é negativo, temos o prejuízo fiscal. Em termos simples, a empresa teve mais despesas dedutíveis para fins fiscais do que receitas tributáveis em um determinado período. Este é um conceito exclusivo para empresas que adotam o Lucro Real como regime de tributação, onde os impostos incidem sobre o resultado contábil ajustado. Quando isso ocorre, a base de cálculo para o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a CSLL se torna negativa, originando o prejuízo fiscal. O mesmo racional se aplica à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que possui sua própria base de cálculo negativa.
A Regra da Compensação: Entendendo a “Trava de 30%”

Uma vez que uma empresa apura um prejuízo fiscal, ela não simplesmente “perde” esse valor. A legislação permite que esse resultado negativo seja guardado e utilizado para abater lucros de períodos futuros, reduzindo o montante de imposto a pagar. A legislação permite que esse valor negativo seja usado no futuro, através do mecanismo de compensação de prejuízos fiscais, para abater lucros futuros e reduzir a carga tributária.
É exatamente sobre essa compensação que a trava de 30% atua. A regra determina que uma empresa só pode compensar, no máximo, 30% do lucro real apurado no período corrente. Por exemplo, se uma empresa tem R$ 1 milhão em prejuízos acumulados e gera um lucro de R$ 200.000 no ano seguinte, ela não pode simplesmente abater R$ 200.000 do prejuízo e não pagar imposto. O limite para a compensação será de 30% sobre o lucro de R$ 200.000, ou seja, R$ 60.000.
O principal objetivo dessa regra, do ponto de vista do governo, é garantir uma arrecadação mínima e constante. Sem essa trava, empresas com grandes prejuízos acumulados poderiam passar anos, ou até décadas, gerando lucros expressivos sem pagar IRPJ ou CSLL, o que impactaria a previsibilidade da receita tributária do país. A trava assegura que, a partir do momento em que uma empresa volta a ser lucrativa, ela também volte a contribuir, ainda que de forma reduzida inicialmente.
É crucial entender que o saldo do prejuízo não compensado não é perdido. No exemplo acima, dos R$ 1 milhão de prejuízo, a empresa usaria R$ 60.000, restando um saldo de R$ 940.000 para ser compensado nos próximos períodos, sempre respeitando o mesmo limite de 30% sobre o lucro que vier a ser apurado. Saber como gerenciar esse saldo é uma forma de transformar o prejuízo da sua empresa em um ativo estratégico.
Como a Trava de 30% Funciona na Prática? (Exemplo de Cálculo)

A teoria pode parecer complexa, mas um exemplo numérico torna a aplicação da trava de 30% muito mais clara. Vamos detalhar um cenário passo a passo para ilustrar o cálculo e a apuração dos impostos.
Cenário Hipotético:
- Prejuízo Fiscal Acumulado: A empresa “Alfa Ltda.” possui um saldo de R$ 200.000 de prejuízos fiscais de anos anteriores, devidamente registrado em seu Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR).
- Lucro Real do Período: No ano corrente, a empresa teve um excelente desempenho e apurou um Lucro Real de R$ 100.000 antes de qualquer compensação.
Passo 1: Cálculo do Limite de Compensação
O primeiro passo é aplicar a trava de 30% sobre o lucro do período atual para descobrir o valor máximo que pode ser compensado.
- Cálculo: 30% de R$ 100.000 (Lucro Real) = R$ 30.000
Este é o limite de compensação de prejuízo para este período. Mesmo tendo R$ 200.000 de saldo, a empresa só poderá usar R$ 30.000 para abater seu lucro.
Passo 2: Apuração da Base de Cálculo dos Impostos
Agora, subtraímos o valor da compensação do lucro real para encontrar a nova base sobre a qual os impostos serão calculados.
- Base de Cálculo (IRPJ/CSLL): R$ 100.000 (Lucro Real) – R$ 30.000 (Compensação Permitida) = R$ 70.000
A correta apuração do IRPJ e da CSLL será feita sobre R$ 70.000, e não sobre o lucro total de R$ 100.000, nem sobre zero. A trava garantiu uma base tributável mínima.
Passo 3: Atualização do Saldo de Prejuízo Fiscal
Por fim, o valor do prejuízo que foi utilizado na compensação é baixado do saldo acumulado, e o restante é transportado para o próximo período.
- Saldo Remanescente: R$ 200.000 (Saldo Anterior) – R$ 30.000 (Valor Compensado) = R$ 170.000
A empresa Alfa Ltda. ainda terá R$ 170.000 de prejuízo fiscal para compensar em exercícios futuros, sempre seguindo a mesma regra do limite de 30%.
Impacto no Planejamento Tributário e no Fluxo de Caixa

A trava de 30% tem um impacto direto e significativo na gestão financeira das empresas do Lucro Real. Ignorar essa regra pode levar a projeções de fluxo de caixa completamente equivocadas e a problemas de liquidez quando os impostos se tornam devidos.
O efeito mais imediato é no fluxo de caixa. Uma empresa pode ter um saldo de prejuízo acumulado que supera em muito o lucro do ano. Intuitivamente, o gestor poderia pensar que não haverá imposto a pagar. No entanto, a trava de 30% força o desembolso de caixa para o pagamento de IRPJ e CSLL sobre 70% do lucro apurado. Essa obrigação de pagamento, mesmo com um histórico de perdas, precisa ser provisionada e incluída no orçamento da empresa.
No planejamento tributário, a regra exige uma visão de longo prazo. A existência de um saldo de prejuízo fiscal é um ativo tributário valioso, mas sua utilização é gradual. As projeções financeiras e orçamentárias devem modelar diferentes cenários de lucratividade para prever com precisão quanto desse saldo será utilizado a cada ano e qual será o desembolso efetivo com impostos.
Além disso, a regra influencia decisões estratégicas. Por exemplo, em operações de fusões e aquisições, o saldo de prejuízo fiscal da empresa adquirida pode ser um ativo interessante, mas o comprador precisa estar ciente de que a sua absorção será lenta, limitada pela trava. Da mesma forma, projetos de expansão que preveem um retorno lucrativo devem considerar o pagamento de impostos desde o primeiro ano de lucro, independentemente dos investimentos e prejuízos iniciais.
Perguntas Frequentes sobre a Trava de 30%
O prejuízo fiscal não compensado expira?
Não. Uma das grandes vantagens do prejuízo fiscal no Brasil é que ele é imprescritível. O saldo remanescente pode ser carregado para os períodos seguintes indefinidamente, até que seja totalmente compensado, sempre respeitando o limite de 30% do lucro de cada período.
A trava de 30% se aplica a todos os regimes tributários?
Não. Esta é uma regra específica e exclusiva do regime do Lucro Real. Empresas optantes pelo Simples Nacional ou Lucro Presumido não se submetem a esta trava, pois suas sistemáticas de apuração de impostos são completamente diferentes e não se baseiam na compensação de prejuízos.
Existe alguma exceção à regra da trava de 30%?
A regra geral é bastante rígida, mas existem situações muito específicas e raras que podem ter tratamento diferenciado, como em alguns casos de atividades rurais ou em programas de recuperação fiscal específicos (REFIS) que, por vezes, oferecem condições especiais. Contudo, para a vasta maioria das empresas, a trava de 30% é a norma.
Como a trava afeta a CSLL além do IRPJ?
A lógica é exatamente a mesma. O prejuízo fiscal é a base para o IRPJ, enquanto a Base de Cálculo Negativa da CSLL é a sua contraparte para a Contribuição Social. A trava de 30% aplica-se de forma idêntica sobre a base de cálculo positiva da CSLL, limitando a compensação da base negativa acumulada.
Conclusão
A trava de 30% é um dos pilares da apuração de impostos no regime de Lucro Real e uma peça-chave para qualquer gestor ou contador que atue com empresas neste enquadramento. Longe de ser um mero detalhe técnico, ela redefine a forma como o fluxo de caixa e as obrigações fiscais são projetadas, garantindo que empresas lucrativas contribuam para o sistema tributário, mesmo que possuam um histórico de perdas.
Embora limite a economia tributária imediata que a compensação de prejuízos poderia gerar, a regra não extingue o direito da empresa de utilizar esse saldo. O prejuízo fiscal remanescente continua sendo um ativo valioso, a ser utilizado gradualmente nos períodos subsequentes.
Portanto, um planejamento tributário eficaz não deve apenas considerar a existência de prejuízos fiscais, mas também modelar o impacto da trava de 30% ao longo do tempo. A análise cuidadosa do período de apuração do Lucro Real e o diálogo constante com um contador especializado são fundamentais para otimizar a carga tributária, garantir a saúde do fluxo de caixa e tomar decisões estratégicas mais bem informadas.
Sobre o Autor
Júnior Araújo
- Título: Contador e CEO da Junior Contador Digital;
- Registro CRC: SP-345376;
- Formação: Ciências Contábeis – Faculdade de Americana (FAM);
- Expertise Principal: Consultoria contábil e fiscal estratégica, com foco em estratégias de estruturação de holdings patrimoniais, planejamento tributário e otimização fiscal para empresas de diversos portes.
- Conhecimento Adicional: Integração de tecnologia em processos contábeis, Normas IFRS;
- Papel no Blog: Editor-Chefe e autor, compartilhando conhecimento prático para PMEs.
Referências
- Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ): https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/orientacao-tributaria/tributos/IRPJ
- Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL): https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/orientacao-tributaria/tributos/CSLL
- Regime de Tributação do Lucro Real: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1598compilado.htm
- Compensação de Prejuízos Fiscais: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/cidadania-tributaria/por-assunto/cobranca-e-restituicao-1/compensacao-2/compensacao-e-irpj-prejuizo-fiscal-e-recolhimento-por-estimativas
