Você precisa captar investimentos para um projeto específico, mas quer evitar a burocracia de criar uma nova empresa? Ou talvez você seja um investidor buscando uma forma ágil e discreta de alocar capital em um negócio promissor. Em ambos os cenários, a Sociedade em Conta de Participação (SCP) pode ser a estrutura jurídica ideal para você.
Apesar de ser um modelo antigo, previsto no Código Comercial de 1850 e atualizado pelo Código Civil, a SCP ganhou força como uma ferramenta estratégica para viabilizar negócios. Ela combina a flexibilidade de um acordo particular com a segurança jurídica necessária para operações complexas, especialmente em setores como construção civil, startups e agronegócio.
Neste guia completo, vamos desmistificar a SCP, explicando desde sua definição e estrutura até os detalhes da sua tributação e gestão. Ao final, você terá clareza para decidir se este modelo societário é o mais adequado para seus objetivos empresariais.
Principais Destaques
- Formalize sua SCP com contrato e CNPJ, sem registro na Junta Comercial.
- A tributação (IRPJ, CSLL, PIS/COFINS) é feita pelo CNPJ próprio da SCP.
- O sócio ostensivo tem responsabilidade ilimitada; o participante, sobre o capital investido.
- Lucros distribuídos ao sócio participante (PF ou PJ) são isentos de IR na fonte.
O que é uma Sociedade em Conta de Participação (SCP)?

A Sociedade em Conta de Participação (SCP) é um tipo societário que não possui personalidade jurídica própria, sendo classificada como uma sociedade não personificada. Isso significa que ela não atua em nome próprio perante terceiros; todas as operações são realizadas em nome de um dos sócios.
Por essa característica, a SCP é frequentemente chamada de sociedade “secreta” ou “oculta”. Sua existência é formalizada apenas entre os sócios, por meio de um contrato, e perante a Receita Federal do Brasil para fins fiscais. Ela não precisa ser registrada na Junta Comercial, o que garante agilidade e confidencialidade à operação.
Sua base legal está nos artigos 991 a 996 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002). O objetivo principal deste modelo é unir esforços e capital para a realização de um ou mais negócios específicos e determinados. É muito comum em projetos de construção civil, empreendimentos imobiliários, startups que recebem aportes de investidores-anjo e operações comerciais de curto a médio prazo.
As Figuras Centrais: Sócio Ostensivo vs. Sócio Participante (Oculto)

O funcionamento da SCP depende da interação entre duas figuras distintas, com papéis e responsabilidades bem definidos. Entender essa dinâmica é fundamental para o sucesso do acordo.
O sócio ostensivo é a figura central e executora da sociedade. Ele é o único que aparece e se responsabiliza perante terceiros, contratando, comprando e vendendo em seu próprio nome. Geralmente, é uma pessoa jurídica já estabelecida que conduz a atividade empresarial objeto da SCP. A sua responsabilidade é ilimitada, respondendo com seu patrimônio pessoal pelas obrigações da sociedade.
Do outro lado, temos o sócio participante, também conhecido como sócio oculto. Seu papel é o de um investidor, aportando recursos (financeiros, bens ou serviços) para a realização do negócio. Ele não participa da gestão cotidiana nem aparece perante terceiros. Sua principal função é fiscalizar os atos do sócio ostensivo e participar dos resultados (lucros ou prejuízos), conforme estabelecido no contrato. A sua responsabilidade é limitada estritamente ao valor do capital que ele investiu.
Essa distinção é crucial. Se o sócio participante praticar qualquer ato de gestão ou se apresentar como sócio a terceiros, ele perde a proteção da responsabilidade limitada e passa a responder solidariamente com o sócio ostensivo.
Como Funciona e Como Formalizar uma SCP?

A formalização de uma SCP é mais simples que a de outras sociedades, mas exige atenção a detalhes importantes para garantir a segurança jurídica de todos os envolvidos.
O passo mais importante é a elaboração de um contrato social, que pode ser um instrumento particular. Este documento é a “certidão de nascimento” da SCP e deve ser redigido com clareza, prevendo todas as regras da parceria.
Algumas cláusulas essenciais do contrato de SCP são:
- Objeto social: A descrição detalhada do projeto ou negócio a ser executado.
- Capital social: O valor do aporte de cada sócio e a forma de integralização.
- Participação nos resultados: A proporção de lucros e prejuízos de cada sócio.
- Prazo de duração: Se a sociedade é por tempo determinado (vinculada a um projeto) ou indeterminado.
- Administração: A definição clara de que a gestão é exclusiva do sócio ostensivo.
Desde 2014, por determinação da Receita Federal, toda SCP é obrigada a se inscrever no CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica). Essa inscrição é vinculada ao CNPJ do sócio ostensivo e é essencial para o cumprimento das obrigações fiscais. Apesar de ter um CNPJ, lembre-se: a SCP continua sendo uma sociedade sem personalidade jurídica e não precisa de registro na Junta Comercial.
Vantagens da Estrutura de SCP para Negócios e Investimentos

A SCP oferece uma série de benefícios que a tornam atrativa para PMEs e investidores. A principal vantagem é a agilidade e a menor burocracia na sua constituição, já que dispensa o registro em órgãos comerciais, tornando o processo mais rápido e menos custoso.
Para o sócio participante, a confidencialidade é um grande atrativo. Como seu nome não aparece publicamente, ele pode investir em diversos projetos sem expor seu patrimônio ou sua estratégia de investimento. Essa discrição é um diferencial importante em mercados competitivos.
Outro ponto forte é a flexibilidade contratual. Os sócios têm ampla liberdade para definir as regras de participação, distribuição de lucros e prazo da sociedade, adaptando o acordo às necessidades específicas do negócio. Isso a torna ideal para projetos com início, meio e fim bem definidos, como a construção de um edifício ou o desenvolvimento de um novo produto.
Desvantagens e Riscos a Considerar

Apesar das vantagens, a estrutura de SCP também apresenta riscos que devem ser cuidadosamente avaliados. O principal ponto de atenção recai sobre o sócio ostensivo, que assume responsabilidade ilimitada pelas dívidas e obrigações do negócio. Isso significa que seus bens pessoais podem ser utilizados para quitar débitos da operação.
Para o sócio participante, o maior risco é se envolver indevidamente na gestão. Caso ele tome qualquer atitude que o caracterize como administrador perante terceiros, ele perde a proteção da responsabilidade limitada e passa a responder solidariamente pelas obrigações, como se fosse um sócio ostensivo.
Por fim, a gestão contábil e fiscal pode ser complexa. A SCP precisa ter uma contabilidade própria e separada da contabilidade do sócio ostensivo, o que exige um controle rigoroso para apurar corretamente os resultados e cumprir as obrigações acessórias.
Tributação da SCP: Regimes e Impostos Aplicáveis

Para fins fiscais, a legislação brasileira equipara a SCP a uma pessoa jurídica. Isso significa que ela está sujeita ao pagamento dos mesmos tributos que uma empresa comum, e o recolhimento é de responsabilidade do sócio ostensivo.
A SCP pode optar por dois regimes tributários principais: o Lucro Real ou o Lucro Presumido. A escolha dependerá do faturamento, da atividade e de um planejamento tributário cuidadoso. A SCP não pode optar pelo Simples Nacional.
Independentemente do regime escolhido, a SCP estará sujeita à incidência dos seguintes tributos federais sobre seus resultados:
- IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica): Calculado sobre o lucro apurado (real ou presumido).
- CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido): Incide sobre o resultado antes da apuração do IRPJ.
- PIS e COFINS: Contribuições que incidem sobre a receita bruta da sociedade, com alíquotas que variam conforme o regime (cumulativo no Lucro Presumido e não cumulativo no Lucro Real).
É fundamental que a contabilidade da SCP seja mantida em livros próprios, completamente separada da escrituração do sócio ostensivo. Isso é uma exigência da Receita Federal e essencial para a apuração correta dos tributos e dos lucros a serem distribuídos.
Apuração de Resultados e Distribuição de Lucros aos Sócios

A apuração do resultado da SCP segue as mesmas regras contábeis e fiscais de uma pessoa jurídica. Ao final de cada período (trimestral ou anual, dependendo do regime), o lucro líquido é calculado após a dedução de todos os custos, despesas e impostos.
Uma vez apurado o lucro, ele é distribuído aos sócios na proporção definida no contrato social. A tributação dessa distribuição varia conforme o destinatário:
- Sócio Ostensivo (Pessoa Jurídica): O lucro recebido da SCP entra como uma receita de participação em outros investimentos em sua contabilidade. Ele será tributado novamente dentro da sua própria apuração de resultados.
- Sócio Participante (Pessoa Física ou Jurídica): Aqui reside uma grande vantagem tributária. Os lucros distribuídos pela SCP ao sócio participante, após já terem sido tributados na própria SCP (IRPJ, CSLL, etc.), são considerados isentos de Imposto de Renda na fonte e na declaração de ajuste anual da pessoa física ou no balanço da pessoa jurídica.
O recolhimento de todos os tributos incidentes sobre a operação da SCP (IRPJ, CSLL, PIS/COFINS) é de responsabilidade do sócio ostensivo, que deve utilizar o CNPJ da própria SCP para emitir as guias de pagamento.
Obrigações Acessórias da SCP

Assim como qualquer pessoa jurídica, a SCP possui obrigações acessórias que precisam ser cumpridas para evitar multas e problemas com o Fisco. A responsabilidade pela entrega dessas declarações é sempre do sócio ostensivo.
A principal obrigação é a ECF (Escrituração Contábil Fiscal). Cada SCP deve entregar sua própria ECF, de forma separada, utilizando seu CNPJ. Nesta declaração, são informados todos os dados contábeis e fiscais que levaram à apuração do IRPJ e da CSLL.
Além disso, as informações contábeis da SCP devem ser destacadas dentro do SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) Contábil do sócio ostensivo. A escrituração da SCP pode ser feita em um livro próprio ou em livros auxiliares dentro da contabilidade do sócio ostensivo, mas sempre de forma segregada. Outras obrigações, como a DCTF e a EFD-Contribuições, também são exigidas.
SCP vs. Outras Estruturas: SPE e Sociedade Limitada (LTDA)
É comum confundir a SCP com outras estruturas societárias, como a Sociedade de Propósito Específico (SPE) e a Sociedade Limitada (LTDA). No entanto, existem diferenças cruciais.
| Característica | Sociedade em Conta de Participação (SCP) | Sociedade de Propósito Específico (SPE) | Sociedade Limitada (LTDA) |
|---|---|---|---|
| Personalidade Jurídica | Não possui. Atua em nome do sócio ostensivo. | Possui. Atua em nome próprio. | Possui. Atua em nome próprio. |
| Formalização | Contrato particular e inscrição no CNPJ. | Registro na Junta Comercial. | Registro na Junta Comercial. |
| Responsabilidade | Ilimitada para o sócio ostensivo; limitada para o participante. | Limitada ao capital social para todos os sócios. | Limitada ao capital social para todos os sócios. |
| Confidencialidade | Alta. Apenas o sócio ostensivo é público. | Baixa. Os sócios constam no contrato social público. | Baixa. Os sócios constam no contrato social público. |
Quando optar por uma SCP? A SCP é ideal para projetos pontuais onde a agilidade, a flexibilidade e a confidencialidade do investidor são prioritárias, e quando uma das partes (sócio ostensivo) já possui uma estrutura empresarial capaz de conduzir o negócio.
Perguntas Frequentes
O que acontece se o sócio participante se envolver na gestão da SCP?
Se o sócio participante praticar atos de gestão ou se apresentar a terceiros como representante da sociedade, ele perde a proteção da responsabilidade limitada. Ness caso, ele passa a responder de forma solidária e ilimitada pelas obrigações da SCP, juntamente com o sócio ostensivo.
Como a SCP declara seus impostos se ela não tem personalidade jurídica?
Apesar de não ter personalidade jurídica, a legislação fiscal a equipara a uma pessoa jurídica. A SCP possui um CNPJ próprio e a apuração e o recolhimento dos tributos (IRPJ, CSLL, PIS/COFINS) são feitos pelo sócio ostensivo em nome e com o CNPJ da SCP.
Preciso registrar o contrato da SCP em algum órgão público?
Não. O contrato social da SCP é um instrumento particular e não exige registro na Junta Comercial ou em cartórios. A única formalidade pública obrigatória é a inscrição da sociedade no CNPJ junto à Receita Federal do Brasil.
Qual a principal diferença entre uma SCP e uma Sociedade de Propósito Específico (SPE)?
A principal diferença é a personalidade jurídica. A SPE é uma empresa com personalidade jurídica própria, registrada na Junta Comercial e com responsabilidade limitada para todos os sócios. Já a SCP não tem personalidade jurídica, não é registrada e a responsabilidade do sócio ostensivo é ilimitada.
Conclusão
A Sociedade em Conta de Participação é uma ferramenta jurídica poderosa e flexível, especialmente para viabilizar parcerias em projetos específicos, captação de investimentos e negócios que demandam agilidade e discrição. Sua estrutura única, com as figuras do sócio ostensivo e do sócio participante, permite uma clara divisão de papéis entre o executor e o investidor.
Contudo, a aparente simplicidade na constituição esconde complexidades tributárias e de gestão que não podem ser ignoradas. A responsabilidade ilimitada do sócio ostensivo e a necessidade de uma contabilidade segregada exigem um planejamento cuidadoso e o suporte de profissionais qualificados. Antes de optar por uma SCP, é fundamental contar com uma assessoria jurídica e contábil especializada para elaborar um contrato sólido e garantir a conformidade fiscal da operação.
Referências
- Contabilidade de custos: o que é, funções e importância: https://www.totvs.com/blog/servicos-financeiros/contabilidade-de-custos/
- Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB): https://www.gov.br/pt-br/orgaos/secretaria-especial-da-receita-federal-do-brasil
- Simples Nacional: o que é e como funciona?: https://www.santander.com.br/blog/simples-nacional-como-funciona
- Lucro real, lucro presumido e lucro arbitrado: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/cidadania-tributaria/por-assunto/irpj-csll/lucro-real-lucro-presumido-e-lucro-arbitrado
- Lucro real, lucro presumido e lucro arbitrado: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/cidadania-tributaria/por-assunto/irpj-csll/lucro-real-lucro-presumido-e-lucro-arbitrado
- Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB): https://www.gov.br/pt-br/orgaos/secretaria-especial-da-receita-federal-do-brasil
- Junta Comercial: o que é e qual a função desse órgão?: https://www.totvs.com/blog/negocios/junta-comercial/
- PIS/Cofins: O que é, quem deve pagar, quais as alíquotas …: https://apet.org.br/artigos/pis-cofins-o-que-e-quem-deve-pagar-quais-as-aliquotas-como-calcular-qual-o-prazo-para-que-serve/
- Contrato Social da empresa: o que é, como fazer e modelos: https://www.totvs.com/blog/gestao-para-assinatura-de-documentos/contrato-social/
- O que é Objeto Social? E como definir o seu?: https://dnafinanceiro.com/blog/o-que-e-objeto-social/
- CNPJ Alfanumérico — Receita Federal – Portal Gov.br: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas-e-atividades/cnpj-alfanumerico
Sobre o Autor
Júnior Araújo
- Título: Contador e CEO da Junior Contador Digital;
- Registro CRC: SP-345376;
- Formação: Ciências Contábeis – Faculdade de Americana (FAM);
- Expertise Principal: Consultoria contábil e fiscal estratégica, com foco em estratégias de estruturação de holdings patrimoniais, planejamento tributário e otimização fiscal para empresas de diversos portes.
- Conhecimento Adicional: Integração de tecnologia em processos contábeis, Normas IFRS;
- Papel no Blog: Editor-Chefe e autor, compartilhando conhecimento prático para PMEs.
