Receber uma notificação ou auto de infração da Receita Federal pode gerar grande ansiedade. Este guia completo para PMEs desmistifica o processo e oferece um plano de ação claro para responder de forma segura e estratégica, protegendo seu negócio.
Receber uma correspondência oficial da Receita Federal é um momento que gera apreensão para qualquer empreendedor. A linguagem técnica e a seriedade do documento podem assustar, mas é crucial entender que existe um processo formal para lidar com a situação. Muitas vezes, essa correspondência é um resultado direto do cruzamento automático de dados realizado por sistemas complexos como o SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), e não necessariamente indica um erro grave ou má-fé. A tecnologia fiscal evoluiu, e entender como a Receita Federal cruza os dados para fiscalizar sua empresa é o primeiro passo para a conformidade.
O mais importante é não se desesperar e, principalmente, não ignorar o comunicado. Uma notificação ou auto de infração é um chamado para prestar contas sobre uma inconsistência identificada pelo Fisco. Agir de forma rápida, organizada e com a orientação correta pode resolver a questão de maneira favorável ou, no mínimo, evitar consequências mais graves para o seu negócio.
Este guia prático foi elaborado para ajudar você, gestor de uma pequena ou média empresa, a entender a diferença entre os tipos de comunicado, detalhar os passos imediatos a serem tomados e explicar como funciona o processo de defesa. Com informação clara, é possível transformar a incerteza em ação estratégica.
Principais Destaques
- Verifique a autenticidade: Sempre confirme o documento no portal e-CAC da Receita Federal.
- Prazo é crucial: Identifique a data limite para resposta, geralmente 30 dias, e não a perca.
- Não ignore jamais: Ignorar a notificação resulta em cobrança automática e perda do direito de defesa.
- Busque ajuda profissional: Um contador ou advogado tributarista é essencial para definir a melhor estratégia.
Notificação de Lançamento vs. Auto de Infração: Entenda a Diferença

Embora ambos os documentos exijam sua atenção imediata, eles possuem naturezas e gravidades distintas. Compreender essa diferença é o primeiro passo para saber como agir.
Notificação de Lançamento
A Notificação de Lançamento é, em essência, um aviso de cobrança. Ela informa que a Receita Federal identificou um débito tributário que não foi pago. Geralmente, a dívida é clara e já constituída. É o caso, por exemplo, de uma DCTF (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais) que foi entregue, mas o DARF correspondente não foi quitado. A notificação apenas formaliza a existência desse débito e estabelece o prazo para pagamento.
Auto de Infração
Já o Auto de Infração é um documento mais sério, que formaliza uma violação identificada durante uma fiscalização. Ele não apenas constitui o crédito tributário (o imposto devido), mas também aplica uma penalidade (multa) pela irregularidade cometida. A multa pode variar de 75% sobre o valor do tributo (multa de ofício) a 150% (multa qualificada) em casos de fraude.
Termo de Intimação
É importante também mencionar o Termo de Intimação. Este documento não é uma cobrança, mas uma solicitação formal para que o contribuinte apresente documentos, esclarecimentos ou informações dentro de um prazo determinado. Frequentemente, um Termo de Intimação precede a lavratura de um auto de infração, sendo uma oportunidade para esclarecer os fatos antes da aplicação de uma multa.
Passo a Passo: O que Fazer Imediatamente ao Receber o Documento

A reação inicial pode ser de pânico, mas a organização é sua maior aliada. Siga estes passos de forma metódica para garantir que você está no controle da situação.
- Mantenha a Calma e Não Ignore: A pior atitude é engavetar o documento. Ignorar uma notificação ou auto de infração leva à revelia, ou seja, a cobrança se torna definitiva e você perde o direito de apresentar defesa.
- Verifique a Autenticidade: Golpes envolvendo falsos comunicados da Receita Federal existem. Antes de qualquer coisa, acesse o portal e-CAC com seu certificado digital ou código de acesso e verifique se o documento é legítimo.
- Identifique o Prazo: Esta é a informação mais crítica. O documento indicará claramente o prazo para resposta, que geralmente é de 30 dias a partir da data de ciência. Anote essa data e trate-a como prioridade máxima.
- Analise a Acusação: Leia o documento com atenção para entender o que está sendo cobrado. Identifique o tributo, o período de apuração, o valor principal, a multa, os juros e o fundamento legal da cobrança.
- Reúna a Documentação: Junte todos os documentos relacionados ao período e ao tributo em questão: declarações (ECF, DCTF, etc.), comprovantes de pagamento (DARFs), notas fiscais, livros contábeis e qualquer outro registro pertinente.
- Consulte seu Contador ou Advogado: Este passo é indispensável. Um profissional especializado em direito tributário poderá analisar a legalidade da cobrança, verificar se os cálculos estão corretos e traçar a melhor estratégia, seja para pagar, parcelar ou contestar a dívida.
A Dívida é Válida? Seus Próximos Passos

Após a análise inicial com seu consultor, o caminho a seguir dependerá de uma pergunta central: a cobrança feita pela Receita Federal é correta?
Cenário 1: A Cobrança é Correta
Se, após a análise, for constatado que o débito realmente existe e a cobrança é devida, a melhor opção é regularizar a situação para evitar o acúmulo de juros e multas mais severas.
- Pagamento à Vista: Quitar o débito dentro do prazo estipulado na notificação geralmente concede um desconto significativo na multa de ofício (normalmente 50%). É a forma mais rápida e econômica de encerrar o assunto.
- Parcelamento: Caso o valor seja muito alto para o fluxo de caixa da empresa, é possível solicitar a consolidação da dívida. Existem programas de parcelamento que permitem dividir o débito em várias mensalidades. É importante entender as regras e os juros envolvidos, por isso saiba como funciona o parcelamento de débitos com a Receita Federal.
Cenário 2: A Cobrança é Indevida ou Parcialmente Incorreta
Se você e seu consultor identificarem erros na cobrança, seja no valor, na base de cálculo, ou mesmo na interpretação da lei, é seu direito contestar. É neste ponto que se inicia o processo de defesa formal.
Como Apresentar sua Defesa: O Processo Administrativo Fiscal (PAF)

Contestar uma cobrança da Receita Federal não é um processo informal. Ele segue um rito legal bem definido, que garante o direito ao contraditório e à ampla defesa.
A Impugnação
O primeiro passo para a defesa é a apresentação da impugnação. Este é o nome técnico da peça de defesa escrita que deve ser protocolada dentro do prazo de 30 dias. A impugnação suspende a exigibilidade do crédito tributário, ou seja, a Receita não poderá cobrar a dívida enquanto o processo estiver em andamento.
O que a Impugnação Deve Conter
A defesa deve ser bem fundamentada e instruída com todas as provas disponíveis. Os elementos essenciais são:
- Exposição dos Fatos: Uma narrativa clara sobre o que ocorreu.
- Argumentos de Direito: A base legal que sustenta sua contestação.
- Provas Documentais: Todos os documentos que comprovem seus argumentos.
É fundamental que a defesa seja bem estruturada, seja a empresa optante pelo Simples Nacional ou por outros regimes. Empresas do Lucro Presumido, por exemplo, devem apresentar provas documentais robustas que comprovem a legitimidade de suas operações. É crucial também entender os limites legais da sua atuação, conhecendo a diferença entre elisão, evasão e sonegação fiscal.
O Início do Processo
A entrega da impugnação dá início formal ao que se conhece como Processo Administrativo Fiscal (PAF), um rito legal para a disputa. O processo será julgado por órgãos da própria Receita Federal.
- Julgamento em Primeira Instância (DRJ): A defesa é analisada por uma Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ). A decisão pode ser favorável (cancelando o auto de infração) ou desfavorável (mantendo a cobrança).
- Recurso ao CARF: Caso a decisão da DRJ seja negativa, o contribuinte ainda pode recorrer a uma segunda e última instância administrativa: o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em Brasília.
Quais as Consequências de Não Pagar ou Não se Defender?

A inércia é a pior estratégia diante de uma notificação ou auto de infração. As consequências de não tomar uma atitude podem comprometer seriamente a saúde financeira e operacional da empresa.
- Revelia e Cobrança Automática: Como mencionado, não se manifestar no prazo legal significa que você concorda com a cobrança. O débito se torna definitivo e a Receita iniciará os procedimentos de cobrança.
- Multas e Juros: O valor original crescerá rapidamente com a incidência de juros Selic e multas. Em situações de fraude, dolo ou simulação, a multa pode ser qualificada, chegando a 150%, além de potenciais desdobramentos na esfera criminal, conforme os Crimes Contra a Ordem Tributária.
- Inscrição em Dívida Ativa da União (DAU): Se o débito não for pago, o CPF dos sócios e o CNPJ da empresa são inscritos na Dívida Ativa. Isso torna a dívida pública e permite que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) inicie uma execução fiscal, podendo levar à penhora de bens e contas bancárias.
- Restrições ao Negócio: Com o nome na DAU, a empresa fica impossibilitada de obter a Certidão Negativa de Débitos (CND), documento essencial para participar de licitações, obter financiamentos bancários e realizar diversas operações comerciais.
- CNPJ Inapto: Em casos extremos, a omissão de declarações e a existência de débitos podem levar à inaptidão do CNPJ, o que na prática impede a empresa de operar. Entenda as graves consequências de ter um CNPJ Inapto.
Conclusão
Receber uma notificação ou auto de infração da Receita Federal é um evento sério, mas não é o fim do mundo. É um procedimento padrão que possui um caminho claro para resolução. A chave para o sucesso é agir com método e estratégia: receba o documento, analise-o friamente, consulte imediatamente um profissional de confiança e tome uma decisão informada dentro do prazo.
Lembre-se que a melhor defesa é a prevenção. Manter a contabilidade em dia, realizar entregas de declarações de forma correta e investir em governança são as formas mais eficazes de mitigar riscos fiscais. A tranquilidade de estar em conformidade não tem preço. Por isso, é vital entender a importância de manter um bom programa de compliance fiscal para proteger o futuro do seu negócio.
Perguntas Frequentes
O que acontece se eu pagar o auto de infração depois do prazo?
Se você pagar após o vencimento, perderá os descontos aplicáveis sobre a multa e o valor será acrescido de juros de mora calculados pela taxa Selic. A dívida continuará crescendo até a sua quitação total.
Como sei se um auto de infração é verdadeiro?
A forma mais segura é acessar o Portal e-CAC no site da Receita Federal com seu certificado digital ou código de acesso. Todas as notificações e processos administrativos legítimos estarão disponíveis em sua caixa de mensagens eletrônica.
Posso parcelar um auto de infração?
Sim, é possível solicitar o parcelamento da dívida, mesmo após a lavratura do auto de infração. As condições e a quantidade de parcelas podem variar, e a adesão ao parcelamento implica na confissão da dívida.
Qual a diferença entre multa de ofício e multa isolada?
A multa de ofício é aplicada sobre o valor do tributo que não foi pago (geralmente 75%). Já a multa isolada é aplicada por descumprimento de obrigações acessórias, como a entrega de uma declaração fora do prazo, e seu valor é fixo.
Sobre o Autor
Valter Marcondes Leite
Advogado Empresarial e de Direito Digital; Registro OAB: 384288/SP; Formação: Mestrado em Empreendedorismo e Gestão (UNIFACCAMP), Pós-graduação em Direito Digital e Compliance (Damásio), Especialização em Direito Empresarial e Gestão de Projetos (FGV), Graduação em Direito, Graduação em Administração (ênfase em Análise de Sistemas), Graduação em Ciências Contábeis; Expertise Principal: Direito Digital, LGPD, Direito de TI, Contratos, Compliance Empresarial, Direito Empresarial; Conhecimentos Adicionais: Segurança da Informação, Gestão de empresas em crise, Gestão de Projetos, Docência e Autoria de Livros/Cursos; Papel no Blog: Autor Convidado, especialista em Direito, Tecnologia e Gestão de Negócios;
Referências
- Crimes Contra a Ordem Tributária: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm
- SPED – Sistema Público de Escrituração Digital: http://sped.rfb.gov.br/
- Regime Especial do Simples Nacional: https://www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional/
- IRPJ/CSLL: Lucro Real, Presumido e Arbitrado: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/cidadania-tributaria/por-assunto/indice-assuntos-portal/irpj-csll/lucro-real-lucro-presumido-e-lucro-arbitrado
- Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF): https://www.gov.br/pt-br/servicos/declarar-debitos-e-creditos-tributarios-federais
- Decreto sobre Processo Administrativo Fiscal e Auto de Infração: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d70235compilado.htm
