Após criar uma apresentação matadora para captar investimento e fazer um ótimo pitch, o investidor demonstra interesse e envia um Term Sheet. É um momento de celebração, mas também de atenção máxima. Este documento definirá o futuro da sua relação com seu novo sócio e o destino da sua empresa, sendo um passo crucial no processo de investimento em startups. Muitos fundadores, na ânsia de garantir o capital, subestimam a importância de analisar cada linha deste acordo preliminar.
Um Term Sheet, também conhecido como Memorando de Intenções (MOU), é um documento que resume os principais termos e condições de uma proposta de investimento. Embora geralmente não seja juridicamente vinculante em sua totalidade, ele serve como um “acordo de cavalheiros” que alinha as expectativas entre fundadores e investidores antes da elaboração dos contratos definitivos, economizando tempo e recursos legais. Entender o que os Fundos de Venture Capital analisam antes de investir ajuda a contextualizar a lógica por trás de cada cláusula.
Este guia irá “traduzir” as cláusulas mais complexas e perigosas, capacitando o leitor a negociar de forma mais justa e proteger seu equity e controle. Ao final, você estará mais preparado para tomar decisões estratégicas e seguras.
Principais Destaques
- Validade Jurídica: Entenda quais cláusulas, como confidencialidade e exclusividade, já são legalmente vinculantes.
- Liquidação Preferencial: Saiba diferenciar os tipos (participativa vs. não participativa) e seu impacto financeiro.
- Anti-Diluição: Conheça as proteções do investidor e negocie a cláusula mais justa (Broad-Based).
- Governança: Mantenha o controle do conselho de administração para garantir a autonomia estratégica da empresa.
O que é um Term Sheet e Qual a sua Validade Jurídica?

O Term Sheet funciona como um pré-contrato, um roteiro que guiará a elaboração dos documentos legais definitivos. Sua principal função é garantir que ambas as partes estejam na mesma página sobre os pontos cruciais do acordo antes de investirem tempo e dinheiro na fase de diligência (Due Diligence) e na redação dos contratos finais.
É fundamental, no entanto, entender a diferença entre as cláusulas vinculantes (binding) e as não vinculantes (non-binding), um ponto chave ao como analisar um term sheet.
Cláusulas Vinculantes Comuns
Apesar da natureza preliminar do documento, algumas seções são elaboradas para terem força de contrato desde a assinatura. Elas protegem o processo de negociação.
- Confidencialidade: Obriga ambas as partes a manterem os termos da negociação e as informações trocadas em sigilo.
- Exclusividade na Negociação (No-Shop): Impede que os fundadores negociem com outros investidores por um período determinado (geralmente 30 a 90 dias), dando segurança ao investidor proponente.
- Custos e Despesas: Pode definir quem arcará com os custos legais e de diligência caso a negociação avance ou seja interrompida.
Cláusulas Não Vinculantes
A grande maioria das cláusulas do term sheet é não vinculante. Isso significa que os termos econômicos, como valuation, percentual de participação e outros direitos, ainda dependem da conclusão satisfatória da Due Diligence. Se a auditoria revelar problemas não previstos, o investidor pode desistir do negócio ou renegociar os termos.
As 10 Cláusulas Mais Importantes que Todo Fundador Deve Analisar

O diabo mora nos detalhes, e no universo do investimento em startups, os detalhes estão nas cláusulas do Term Sheet. Analisar cada uma delas com profundidade não é apenas uma recomendação, é uma necessidade para proteger o futuro da sua empresa e o seu patrimônio.
1. Valuation, Preço por Ação e Valor do Investimento
O ponto de partida de qualquer negociação é o valuation, ou seja, o valor atribuído à sua empresa antes do aporte de capital. É crucial entender a diferença entre Valuation Pre-Money (o valor da empresa antes do investimento) e Post-Money (Pre-Money + o valor do aporte). Essa definição impacta diretamente o percentual de equity que o investidor receberá.
Fique atento também ao “Option Pool Shuffle”. Alguns investidores exigem a criação de um Option Pool (reserva de ações para futuros funcionários) antes da rodada de investimento, calculando-o sobre o valuation Pre-Money. Na prática, isso dilui apenas a participação dos sócios fundadores. A prática mais justa é criar o Option Pool como parte do valuation Post-Money. Saber como definir o valuation da sua pequena ou média empresa é uma habilidade essencial nesta fase.
2. Cláusula de Liquidação Preferencial (Liquidation Preference)
A Cláusula de Liquidação Preferencial (Liquidation Preference) é talvez a cláusula mais importante para o investidor e uma das que mais exigem atenção do fundador. Ela determina a ordem de pagamento em um “evento de liquidez”, como a venda da empresa. Essencialmente, garante que o investidor receba seu dinheiro de volta (ou um múltiplo dele) antes dos demais sócios.
Existem diferentes tipos, com impactos muito distintos:
- Não Participativa (Non-participating): O investidor escolhe entre receber seu capital de volta (geralmente 1x) OU converter suas ações e receber sua participação percentual no valor da venda. É o padrão de mercado e o mais justo para os fundadores.
- Participativa (Participating): O investidor recebe seu capital de volta (1x) E, além disso, participa do rateio do valor restante de acordo com seu percentual de equity. Esta cláusula é muito agressiva e deve ser evitada.
- Participativa com Cap (Capped Participating): Similar à participativa, mas com um teto (cap). O investidor recebe seu dinheiro de volta e participa do restante até atingir um retorno máximo pré-definido (ex: 3x o investimento inicial).
| Tipo de Liquidação | Cenário de Venda (R$ 10M) | Retorno do Investidor (Investiu R$ 2M por 20%) | Retorno dos Fundadores |
|---|---|---|---|
| Não Participativa (1x) | Investidor escolhe o maior: R$ 2M (1x) ou 20% de R$ 10M (R$ 2M). | R$ 2.000.000 | R$ 8.000.000 |
| Participativa (1x) | Investidor recebe R$ 2M + 20% dos R$ 8M restantes. | R$ 2.000.000 + R$ 1.600.000 = R$ 3.600.000 | R$ 6.400.000 |
| Participativa com Cap (3x) | Retorno total limitado a R$ 6M (3x R$ 2M). | R$ 3.600.000 (pois é menor que o cap de R$ 6M) | R$ 6.400.000 |
3. Cláusulas Anti-Diluição
Essas cláusulas protegem o investidor caso a empresa precise captar uma nova rodada de investimentos com um valuation menor que o da rodada anterior (um “down round”). O objetivo é ajustar o preço por ação do investidor para compensar a desvalorização.
Existem dois tipos principais:
- Full Ratchet: É extremamente agressiva e prejudicial aos fundadores. Ela reajusta o preço de todas as ações do investidor para o novo preço mais baixo do down round, causando uma diluição massiva para os demais sócios.
- Broad-Based Weighted Average (Média Ponderada de Base Ampla): É o padrão de mercado e a mais justa. Ela recalcula o preço do investidor usando uma fórmula de média ponderada que considera todas as ações em circulação, resultando em um ajuste mais equilibrado e uma diluição menor para os fundadores.
4. Governança Corporativa e Composição do Conselho (Board of Directors)
O Term Sheet define quem terá poder de decisão na empresa. Isso é feito através da composição do Conselho de Administração (Board of Directors). É vital para os fundadores manterem o controle do conselho, por exemplo, com uma estrutura de 3 assentos: 2 para os fundadores e 1 para o investidor.
A estrutura de poder definida aqui é a base da governança corporativa da startup, um sistema de regras e processos que direciona a empresa. Além dos assentos, preste atenção às Matérias de Veto (Protective Provisions). Essa lista dá ao investidor o poder de vetar decisões estratégicas, mesmo que ele seja minoritário no conselho. A lista deve ser razoável e focada em proteger o investimento, sem engessar a operação da empresa.
5. Vesting para Fundadores
Vesting é um mecanismo que estabelece que os fundadores não são donos de 100% de suas ações imediatamente após o investimento. Em vez disso, eles “conquistam” o direito a elas ao longo de um período, geralmente 4 anos, com um “cliff” de 1 ano. O cliff significa que, se um fundador sair antes de completar 1 ano, ele não tem direito a nenhuma ação.
Embora possa parecer desconfortável, o vesting é uma prática padrão e saudável. Ele garante aos investidores (e aos outros sócios) que os fundadores estão comprometidos com o negócio a longo prazo, alinhando os interesses de todos.
6. Direito de Preferência (Pro-rata Rights)
O Direito de Preferência, ou Pro-rata Rights, dá ao investidor o direito (mas não a obrigação) de investir em futuras rodadas de captação para manter seu percentual de participação na empresa. Por exemplo, se um investidor detém 20% da empresa, ele terá o direito de comprar 20% da nova rodada de ações.
Esta é uma cláusula padrão e geralmente positiva. Ela sinaliza o interesse do investidor em continuar apoiando a empresa em seu crescimento futuro.
7. Cláusulas de “Drag-Along” e “Tag-Along”
Essas cláusulas regulam a venda de participações societárias.
- Drag-Along (Direito de Arraste): Protege o acionista majoritário. Se ele decidir vender a empresa, pode forçar (“arrastar”) os acionistas minoritários a venderem suas participações sob os mesmos termos e condições. Isso é importante para garantir que uma oportunidade de venda não seja bloqueada por sócios menores.
- Tag-Along (Direito de Venda Conjunta): Protege os acionistas minoritários. Se um sócio majoritário receber uma oferta para vender sua parte, os minoritários têm o direito de “pegar carona” (tag along) e vender suas ações nas mesmas condições.
8. Exclusividade na Negociação (No-Shop Clause)
Como mencionado, esta é uma cláusula vinculante. Ao assinar o Term Sheet, os fundadores se comprometem a não procurar ou negociar com outros investidores por um período específico (geralmente de 30 a 60 dias). Isso dá ao investidor a segurança para alocar recursos no processo de Due Diligence, sabendo que a empresa não está “fazendo leilão” com outras propostas.
9. Confidencialidade
Outra cláusula vinculante, a confidencialidade, exige que todas as partes mantenham os termos do Term Sheet e qualquer informação sensível compartilhada durante a negociação em estrito sigilo. Isso protege tanto a startup quanto o investidor de vazamentos de informações estratégicas para o mercado.
10. Condições para o Fechamento
Esta seção lista todos os pré-requisitos que devem ser cumpridos para que o investimento seja efetivado e o dinheiro transferido. As condições mais comuns incluem:
- Conclusão satisfatória da Due Diligence (legal, financeira, contábil).
- Assinatura dos contratos definitivos de investimento.
- Obtenção de aprovações regulatórias, se aplicável.
- Confirmação de que não houve nenhuma mudança adversa significativa no negócio desde a assinatura do Term Sheet.
O Processo Pós-Term Sheet: O que Esperar?

A assinatura do Term Sheet não é a linha de chegada, mas sim o início de uma fase intensa de trabalho. O caminho até o dinheiro cair na conta (o “closing”) envolve etapas críticas.
- Due Diligence (Diligência Prévia): Esta é a fase de “pente fino”. Os advogados, contadores e especialistas do investidor realizarão uma auditoria completa na sua empresa. Eles analisarão contratos, finanças, questões fiscais, propriedade intelectual e estrutura societária. É fundamental saber como se preparar para o processo de Due Diligence para garantir que essa etapa ocorra de forma tranquila e sem surpresas desagradáveis.
- Elaboração dos Contratos Definitivos: Paralelamente à Due Diligence, os advogados de ambas as partes começarão a redigir os documentos legais que formalizarão o investimento. Os pontos do Term Sheet são transformados em documentos legais robustos, como o Contrato de Investimento e o acordo de sócios.
- Fechamento (Closing): Uma vez que a Due Diligence foi concluída com sucesso e os contratos definitivos foram negociados e finalizados, chega o momento do fechamento. As partes assinam os documentos e o investidor realiza a transferência do capital para a conta da empresa.
Conclusão
O Term Sheet é muito mais do que um documento preliminar; ele é o DNA do seu futuro relacionamento com o investidor e estabelece as regras do jogo para os próximos anos. Cada cláusula, desde o valuation até a governança, tem implicações diretas no seu controle, no seu bolso e na capacidade da empresa de crescer e captar novas rodadas. Tratar este documento com a seriedade que ele merece é um dos atos mais importantes que um fundador pode realizar.
A mensagem principal é: não tenha pressa. Analise cada cláusula com calma, modele os cenários financeiros e, o mais importante, procure aconselhamento jurídico especializado de um advogado com experiência em investimento em startups. Um bom conselho nesta fase pode economizar milhões e evitar dores de cabeça no futuro, sendo um passo fundamental em qualquer processo de uma introdução para donos de PMEs sobre Fusões e Aquisições.
Pronto para dar o próximo passo na sua jornada de captação? Entenda como preparar sua empresa para ser vendida ou receber um investimento e maximize seu poder de negociação.
Perguntas Frequentes
O que acontece se eu desistir depois de assinar um Term Sheet?
Se você desistir, geralmente não há penalidade sobre os termos não vinculantes (como o valuation). No entanto, você pode ser responsável por quebrar as cláusulas vinculantes, como a de exclusividade (No-Shop), o que pode gerar a obrigação de reembolsar os custos legais do investidor.
Quanto tempo leva do Term Sheet até o dinheiro entrar na conta?
O processo, incluindo a Due Diligence e a negociação dos contratos definitivos, normalmente leva de 30 a 90 dias. A complexidade da sua empresa e a agilidade das equipes jurídicas de ambos os lados são os principais fatores que influenciam esse prazo.
Preciso de um advogado para analisar um Term Sheet?
Sim, é altamente recomendável. Um advogado especializado em startups e venture capital pode identificar cláusulas agressivas, explicar as implicações de cada termo em uma linguagem clara e ajudar você a negociar condições mais favoráveis, protegendo seus interesses a longo prazo.
Qual a diferença entre Term Sheet e Acordo de Sócios?
O Term Sheet é um documento preliminar e majoritariamente não vinculante que resume os termos do investimento. O Acordo de Sócios é um contrato definitivo, detalhado e legalmente vinculante que rege a relação entre todos os sócios da empresa após o investimento.
Sobre o Autor
Valter Marcondes Leite
Advogado Empresarial e de Direito Digital; Registro OAB: 384288/SP; Formação: Mestrado em Empreendedorismo e Gestão (UNIFACCAMP), Pós-graduação em Direito Digital e Compliance (Damásio), Especialização em Direito Empresarial e Gestão de Projetos (FGV), Graduação em Direito, Graduação em Administração (ênfase em Análise de Sistemas), Graduação em Ciências Contábeis; Expertise Principal: Direito Digital, LGPD, Direito de TI, Contratos, Compliance Empresarial, Direito Empresarial; Conhecimentos Adicionais: Segurança da Informação, Gestão de empresas em crise, Gestão de Projetos, Docência e Autoria de Livros/Cursos; Papel no Blog: Autor Convidado, especialista em Direito, Tecnologia e Gestão de Negócios;
Referências
- O que é Valuation: https://forbes.com.br/forbes-money/2022/09/o-que-e-valuation
- O que é Equity: https://www.suno.com.br/artigos/equity/
- Governança Corporativa: https://www.ibgc.org.br/governanca/governanca-corporativa
- Acordo de Sócios: O que é e sua importância: https://www.direitoempresarial.com.br/acordo-de-socios-o-que-e-e-qual-a-sua-importancia/
- Guia sobre Term Sheet: https://www.projuris.com.br/blog/term-sheet/
- Liquidation Preference e seu Impacto nas Startups: https://www.conjur.com.br/2024-set-14/liquidation-preference-e-seu-impacto-nas-startups/
