Expandir sua Pequenas e Médias Empresas (PME) para o mercado global, receber em dólar ou euro e ver seu negócio crescer sem as amarras da economia local. Parece um sonho, certo? Mas para muitos empreendedores, a ideia de lidar com burocracia, impostos e contratos internacionais transforma esse sonho em um verdadeiro pesadelo. O medo de errar na nota fiscal, pagar mais imposto do que o devido ou ter problemas com a Receita Federal acaba paralisando muitas empresas que têm um potencial imenso lá fora.
A boa notícia é que, com o planejamento certo, prestar serviços para clientes no exterior é totalmente viável e pode ser o grande diferencial para o seu negócio. Não se trata de um bicho de sete cabeças, mas de um processo com etapas claras que, uma vez compreendidas, abrem um mundo de oportunidades. Neste guia completo, vamos desmistificar cada passo, do CNPJ ao recebimento em moeda estrangeira, para que sua PME possa conquistar o mercado internacional com total segurança e confiança.
Primeiros Passos: O que sua PME precisa para começar a exportar serviços?

Antes de mergulhar nos detalhes burocráticos, é fundamental preparar o terreno. Afinal, o sucesso no mercado internacional começa com uma base sólida aqui no Brasil. Pense nesta fase como o alicerce da sua operação global.
- Validação do mercado: A primeira pergunta não é “como”, mas “para quem”. Seu serviço tem demanda lá fora? Investigue! Use o LinkedIn para pesquisar empresas e profissionais do seu nicho em outros países. Participe de fóruns e comunidades online internacionais da sua área. Veja o que seus concorrentes (inclusive os estrangeiros) estão fazendo. O objetivo é simples: confirmar que existe um problema que você pode resolver para um cliente que está disposto a pagar por isso em outra moeda.
- Adaptação da sua oferta: Prestar serviço para um cliente em Nova York não é o mesmo que para um em São Paulo. Pense nos ajustes necessários. Seu site, suas propostas e seus materiais de marketing estão em inglês (ou no idioma do seu mercado-alvo)? Sua equipe está preparada para reuniões em fusos horários diferentes? Esteja ciente das nuances culturais na comunicação. Um “sim” pode ter pesos diferentes em culturas distintas. Essa adaptação cultural mostra profissionalismo e respeito, abrindo portas com mais facilidade.
- Planejamento financeiro inicial: Começar a operar internacionalmente tem custos. Mapeie esses investimentos iniciais para não ser pego de surpresa. Considere os custos para abrir ou ajustar seu CNPJ, os honorários de uma contabilidade especializada em comércio exterior, a assinatura de plataformas para recebimento internacional e, talvez, a tradução de documentos importantes, como seu contrato. Ter essa clareza financeira desde o início evita dores de cabeça e garante que a operação comece de forma saudável.
Formalização do Negócio: CNPJ e o Regime Tributário ideal

Para prestar serviços para clientes no exterior de forma profissional e segura, atuar como pessoa física não é uma opção viável. A formalização através de um CNPJ é o que transmite credibilidade, protege seu patrimônio pessoal e permite que você aproveite os benefícios fiscais da exportação de serviços, um passo fundamental ao abrir uma empresa de prestação de serviços. Um cliente nos EUA ou na Europa vai se sentir muito mais seguro fechando negócio com uma empresa (CNPJ) do que com um profissional autônomo (CPF).
A escolha do regime tributário é uma das decisões mais estratégicas que você tomará. As duas opções mais comuns para PMEs são o Simples Nacional e o Lucro Presumido.
- Simples Nacional: Como o nome diz, é o regime mais simplificado. Os impostos são recolhidos em uma única guia (o DAS). Empresas do Simples podem, sim, exportar serviços e se beneficiam da isenção de alguns tributos sobre a receita vinda do exterior.
- Lucro Presumido: Neste regime, a Receita Federal “presume” qual foi seu percentual de lucro com base na sua atividade, e os impostos (IRPJ e CSLL) incidem sobre essa presunção. Pode parecer mais complexo, mas para a exportação de serviços, muitas vezes o Lucro Presumido é mais vantajoso, pois oferece isenção total de PIS e COFINS, o que não ocorre no Simples.
Além do regime, é crucial ter o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) correto em seu CNPJ. Ele descreve a atividade que sua empresa exerce, e entender o que é CNAE é um passo importante. Alguns dos mais comuns para serviços exportados são:
- 6204-0/00: Consultoria em tecnologia da informação
- 6201-5/01: Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda
- 7319-0/03: Marketing direto
- 7490-1/04: Atividades de consultoria em gestão empresarial
Simples Nacional é a melhor opção?
Muitos empreendedores acreditam que o Simples Nacional é sempre a melhor escolha por ser mais fácil. No entanto, quando falamos em prestar serviços para clientes no exterior, essa lógica pode se inverter, tornando a análise entre Simples Nacional vs. Lucro Presumido ainda mais importante.
No Simples Nacional, a receita de exportação de serviços não entra na base de cálculo de PIS, COFINS e ISS dentro da guia DAS. Isso é bom, mas você ainda paga IRPJ, CSLL e a Contribuição Previdenciária Patronal (CPP) sobre o faturamento.
Já no Lucro Presumido, a isenção de PIS e COFINS é total sobre a receita de exportação. Dependendo do seu faturamento e do tipo de serviço (e do seu “Fator R”, no caso do Simples), a carga tributária final no Lucro Presumido pode ser significativamente menor. A única forma de ter certeza é colocar os números no papel com a ajuda de um contador.
O Contrato de Prestação de Serviços Internacional: Sua Segurança Jurídica

Se o CNPJ é sua armadura, o contrato é sua espada e seu escudo. É o documento que formaliza tudo o que foi combinado, protegendo ambas as partes e evitando mal-entendidos que podem custar caro – em dinheiro e em reputação. Nunca, em hipótese alguma, inicie um trabalho para um cliente estrangeiro com base apenas em um acordo verbal ou em trocas de e-mail.
Um bom contrato internacional não precisa ser um documento de 50 páginas em “juridiquês”. Ele precisa ser claro, objetivo e conter cláusulas essenciais:
- Escopo do Serviço (Scope of Work): Descreva em detalhes o que será entregue. Seja específico sobre o que está incluído e, mais importante ainda, o que não está incluído.
- Prazo e Cronograma (Timeline & Milestones): Defina as datas de entrega, sejam elas parciais ou finais.
- Valores, Moeda e Forma de Pagamento (Fees, Currency & Payment Terms): Especifique o valor total em dólar ou euro. Detalhe como o pagamento será feito: 50% adiantado? Pagamentos mensais? Ao final de cada etapa (milestone)?
- Legislação Aplicável e Foro (Governing Law & Jurisdiction): Esta é uma cláusula crítica. Ela define qual a lei que rege o contrato e onde uma eventual disputa será resolvida. Para sua segurança, o ideal é sempre definir a legislação brasileira e o foro da sua cidade no Brasil.
- Confidencialidade (Confidentiality): Garante que informações sensíveis trocadas entre você e o cliente não serão divulgadas.
O contrato deve ser, preferencialmente, bilíngue (português e inglês) para que não haja dúvidas. Invista em uma tradução profissional ou, melhor ainda, na assessoria de um advogado especializado em contratos internacionais. É um investimento que se paga com a tranquilidade que ele proporciona.
Dica do Especialista, por Valter Marcondes (Jurídico): “Na hora de negociar o pagamento, não tenha receio de pedir um adiantamento (down payment) de 30% a 50% antes de iniciar o trabalho. Essa é uma prática comum no mercado internacional e serve como um termômetro do comprometimento do cliente. Além disso, especifique em contrato que eventuais taxas de transferência bancária internacional (wire transfer fees) são de responsabilidade do contratante. Isso evita que você receba um valor menor do que o combinado.”
Emitindo a Nota Fiscal (NFS-e) para Clientes no Exterior: Passo a Passo

Sim, você precisa emitir nota fiscal para seu cliente no exterior. A Nota Fiscal de Serviço Eletrônica (NFS-e) é o documento oficial que comprova a sua receita e é fundamental para a contabilidade e para o fechamento do câmbio. A emissão é feita no sistema da prefeitura da sua cidade.
O processo geral é o seguinte:
- Cadastro na Prefeitura: Primeiro, sua empresa precisa estar cadastrada e habilitada para emitir NFS-e no seu município. Geralmente, esse processo é feito online e seu contador pode te auxiliar.
- Preenchimento dos Dados do Tomador (Cliente): Essa é a parte que gera mais dúvidas. Como o cliente não tem CPF ou CNPJ, o que fazer? Os sistemas das prefeituras já estão preparados para isso. Haverá uma opção como “Cliente Domiciliado no Exterior” ou similar. Você deverá preencher os dados que tiver:
- Nome da Empresa/Pessoa: O nome completo do seu cliente.
- Endereço Completo: Rua, número, cidade, estado/província, país e código postal.
- Número de Identificação Fiscal (se houver): Alguns clientes podem fornecer um NIF (Número de Identificação Fiscal) do país deles, como o EIN nos EUA. Se não tiver, geralmente o campo não é obrigatório.
- Descrição dos Serviços: Detalhe o serviço prestado, de forma consistente com o que está no seu contrato.
- O Campo do ISS (Imposto Sobre Serviços): Aqui está o pulo do gato. Na exportação de serviços, há imunidade de ISS, desde que o resultado do serviço se verifique no exterior. Conforme a Lei Complementar 116/2003, o imposto não é devido. No sistema da prefeitura, você deverá indicar a opção de “Não incidência sobre a operação” ou “Exportação de Serviços”. Isso fará com que o ISS não seja calculado.
Emitir a nota corretamente é crucial. Uma nota emitida com incidência de ISS por engano pode gerar um imposto a pagar desnecessariamente. Sempre revise com seu contador nas primeiras emissões.
Impostos na Prestação de Serviço para o Exterior: O que você realmente paga?

Esta é a parte que mais assusta, mas que também guarda as melhores notícias. O governo brasileiro incentiva a exportação de serviços com a isenção de diversos impostos, o que torna a tributação de exportações muito atrativa.
A regra geral é a seguinte: para que os benefícios fiscais se apliquem, a operação precisa caracterizar uma “exportação de serviço”. Isso ocorre quando três condições são atendidas:
- O contratante (seu cliente) está sediado no exterior.
- O pagamento vem de fora do Brasil (ingresso de divisas).
- O resultado ou o benefício do serviço acontece lá fora. (Ex: um software desenvolvido aqui para uma empresa usar em sua operação na Alemanha).
Atendendo a esses critérios, veja como fica a tributação:
- ISS (Imposto Sobre Serviços): Isento, como já vimos.
- PIS e COFINS: Para empresas no Lucro Presumido, a receita de exportação de serviços tem alíquota zero para PIS e COFINS, conforme a Lei 10.637/2002 (PIS) e a Lei 10.833/2003 (COFINS). No Simples Nacional, esses tributos também não são cobrados sobre a receita de exportação dentro do cálculo do DAS.
- IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido): Esses dois incidem! Não há isenção para eles. A forma de cálculo varia drasticamente entre os regimes. No Simples, é um percentual sobre o faturamento. No Lucro Presumido, incide sobre a base de lucro presumida (que para serviços costuma ser de 32%).
- Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF): Este é um ponto de atenção. Alguns países podem exigir que seu cliente retenha um percentual do pagamento para o fisco local. O Brasil possui acordos de bitributação com vários países para evitar que você pague imposto duas vezes (lá e aqui). É fundamental verificar se existe um acordo com o país do seu cliente.
Para simplificar, veja a tabela comparativa:
| Imposto | Simples Nacional (na receita de exportação) | Lucro Presumido (na receita de exportação) |
|---|---|---|
| ISS | Não incide (valor é excluído da base de cálculo) | Imunidade (não incide) |
| PIS | Não incide (valor é excluído da base de cálculo) | Alíquota Zero |
| COFINS | Não incide (valor é excluído da base de cálculo) | Alíquota Zero |
| IRPJ | Incide (calculado dentro da alíquota do Simples) | Incide (15% sobre o lucro presumido de 32%) |
| CSLL | Incide (calculado dentro da alíquota do Simples) | Incide (9% sobre o lucro presumido de 32%) |
Como você pode ver, a escolha do regime tributário tem um impacto direto no seu bolso. A orientação de um contador especializado é indispensável para fazer a escolha certa para a sua PME.
Como Receber em Dólar ou Euro: Plataformas, Taxas e Câmbio

Receber o pagamento é a melhor parte. Hoje, o processo é muito mais simples e barato que as transferências bancárias tradicionais (as chamadas ordens de pagamento). Existem plataformas digitais especializadas em pagamentos internacionais para PMEs.
As mais populares no Brasil são:
- Wise (antiga TransferWise): Conhecida por suas taxas transparentes e uso do câmbio comercial real. Você pode abrir uma conta multimoeda em nome da sua empresa para receber como um local em diversos países.
- Payoneer: Muito forte no mercado de freelancers e empresas de serviço, permite receber de marketplaces e diretamente de clientes. Também oferece um cartão de débito internacional.
- Husky: Uma plataforma brasileira focada em facilitar o recebimento para profissionais e empresas. O processo é simplificado e as taxas são competitivas.
O fluxo geralmente funciona assim:
- Você cria uma conta PJ em uma dessas plataformas.
- A plataforma gera dados bancários internacionais (nos EUA ou Europa, por exemplo) em nome da sua empresa.
- Você informa esses dados para o seu cliente, que faz uma transferência local para essa conta.
- O dinheiro cai na sua conta da plataforma em dólar ou euro.
- Você solicita a transferência para a sua conta bancária PJ no Brasil. A plataforma executa o contrato de câmbio, converte o valor para reais usando a cotação do momento e deposita na sua conta.
Nessa operação de câmbio, incide o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Para o ingresso de recursos de exportação de serviços na sua conta PJ, a alíquota é de 0,38%. As plataformas já descontam essa taxa e as suas próprias taxas de serviço antes de transferir o valor final para você.
Checklist Rápido: Tudo o que você precisa para seu primeiro cliente internacional
Parece muita informação? Para ajudar, resumimos tudo em um checklist prático para você não se perder.
- CNPJ ativo e regular: Com o CNAE correto para sua atividade.
- Regime tributário definido: A escolha entre Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real deve ser feita com ajuda do seu contador.
- Contrato de prestação de serviços: Claro, objetivo e, se possível, bilíngue.
- Cadastro na prefeitura: Habilitação para emitir NFS-e.
- Conta em plataforma de pagamento internacional: Para receber em moeda estrangeira.
- Conta bancária PJ no Brasil: Para receber o valor final em reais.
- Contador especializado: Seu maior aliado para garantir a conformidade e otimizar seus impostos.
O erro mais comum de iniciantes é tentar fazer tudo sozinho para “economizar”. Lembre-se: o custo de uma multa ou de impostos pagos indevidamente é sempre maior que os honorários de um bom profissional.
Conclusão: O Mundo é o seu Mercado
Prestar serviços para clientes no exterior deixou de ser um privilégio de grandes corporações. Com as ferramentas digitais e o conhecimento correto, sua PME pode competir globalmente, diversificar suas fontes de receita e se proteger das instabilidades da economia brasileira.
A jornada exige planejamento, formalização e atenção aos detalhes, especialmente na parte tributária e contratual. Mas, como vimos neste guia, cada etapa é perfeitamente gerenciável. A burocracia, que antes parecia um obstáculo intransponível, pode ser superada com organização e o apoio de profissionais qualificados.
Agora você tem o mapa do caminho. O próximo passo é seu. Comece a pesquisar seu mercado, adapte sua oferta e prepare sua empresa para decolar. O mundo está esperando pelos seus serviços.
Perguntas Frequentes
Quais impostos incidem na prestação de serviços para o exterior?
Geralmente, há isenção de ISS, PIS e COFINS, desde que a operação se caracterize como exportação de serviço. No entanto, incidem o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cujas alíquotas variam conforme o regime tributário da sua PME. Também há o IOF de 0,38% na operação de câmbio para receber o valor.
Simples Nacional pode prestar serviços para o exterior?
Sim, empresas do Simples Nacional podem prestar serviços para o exterior sem problemas. Elas se beneficiam da não incidência de ISS, PIS e COFINS na receita de exportação dentro do cálculo da guia DAS. É fundamental a orientação de um contador para garantir que a apuração seja feita corretamente e avaliar se este é o regime mais vantajoso para sua operação.
Pode emitir nota fiscal de serviço para o exterior?
Sim, a emissão da Nota Fiscal de Serviço Eletrônica (NFS-e) para clientes no exterior é obrigatória. O documento é gerado no portal da prefeitura da sua cidade, onde você deve informar os dados do cliente estrangeiro (nome, endereço, país) e selecionar a opção de não incidência de ISS, já que se trata de uma exportação de serviço.
Preciso de um contador para prestar serviço para o exterior?
Embora não seja legalmente obrigatório para todas as naturezas jurídicas (como MEI, por exemplo), é altamente recomendável e, na prática, indispensável. Um contador especializado em negócios internacionais garantirá o correto enquadramento tributário, a apuração dos impostos e o cumprimento de todas as obrigações fiscais, evitando multas e problemas com o fisco. É um investimento na segurança e saúde financeira do seu negócio.
Como recebo o pagamento de um cliente no exterior?
A forma mais prática e econômica é usar plataformas de pagamento internacionais, como Wise, Payoneer ou Husky. Você abre uma conta empresarial, recebe os dados bancários internacionais e os informa ao seu cliente. Ele faz uma transferência local para essa conta, e a plataforma cuida do processo de câmbio e transfere o valor em reais para a conta bancária da sua empresa no Brasil.
Sobre o Autor
Roberto Sousa
CMO e CTO da Junior Contador Digital, onde lidera as estratégias de marketing, vendas e tecnologia. Engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP e pós-graduado em Marketing pela ESPM, Roberto une formação técnica e visão de negócios para transformar a gestão de PMEs brasileiras. Com ampla experiência em marketing digital, CRM, automação de processos, segurança da informação e gestão de pessoas, compartilha no blog conhecimento prático para empreendedores que buscam crescimento sustentável.
