Dois amigos, movidos pela empolgação de uma ideia brilhante, decidem começar um negócio. Com um aperto de mão e um acordo verbal, eles mergulham no trabalho. Tudo funciona perfeitamente, as tarefas são divididas, os primeiros clientes chegam. Até que o primeiro grande lucro — ou o primeiro grande problema — bate à porta. É nesse momento que a ausência de um documento formal transforma o sonho em um pesadelo jurídico e financeiro.
Essa armadilha silenciosa tem nome: “sociedade de fato”. E ela é muito mais comum do que se imagina, especialmente em negócios familiares. Para se ter uma ideia, dados do IBGE apontam que 90% das empresas no Brasil têm perfil familiar, um terreno fértil para a informalidade.
Este artigo é um guia completo para você entender o que é uma sociedade de fato, quais são seus perigos reais e, mais importante, qual o caminho para regularizar a situação e proteger seu patrimônio de forma definitiva.
O Que é uma Sociedade de Fato (ou Sociedade em Comum)?

Uma sociedade de fato é a união de duas ou mais pessoas que exercem uma atividade econômica de forma conjunta, dividem os resultados, mas não possuem um Contrato Social formalizado e registrado na Junta Comercial. Juridicamente, é chamada de “sociedade em comum”.
Imagine o seguinte cenário: uma designer e uma programadora lançam um serviço de criação de sites. Elas dividem as tarefas, os custos do servidor e os lucros de cada projeto. Mesmo sem nenhum papel assinado, perante a lei, elas formam uma sociedade em comum.
A principal implicação disso é que a ausência de registro não significa ausência de responsabilidade. Pelo contrário, a lei impõe regras muito mais duras para esse tipo de sociedade, visando proteger clientes, fornecedores e funcionários. Na prática, os sócios perdem a blindagem patrimonial que um CNPJ formalizado oferece.
O grande desafio está na prova da existência dessa sociedade. Enquanto terceiros (como um credor) podem prová-la por qualquer meio — e-mails, testemunhas, mensagens —, entre os próprios sócios, a falta de um documento escrito torna extremamente difícil comprovar os termos do acordo original, gerando uma enorme insegurança jurídica.
Os 3 Maiores Perigos da Sociedade de Fato

Perigo 1: Responsabilidade Ilimitada e Solidária
Este é, sem dúvida, o risco mais grave. Os conceitos de responsabilidade ilimitada e solidária significam que:
- Ilimitada: As dívidas da empresa podem ser cobradas diretamente do patrimônio pessoal dos sócios (casa, carro, contas bancárias). Não há qualquer separação entre o CPF dos sócios e o “quase-CNPJ” do negócio.
- Solidária: Um credor pode exigir o pagamento de 100% da dívida de apenas um dos sócios, que depois terá o difícil trabalho de cobrar a parte do outro.
Por exemplo, se a empresa contrata um fornecedor por R$ 50 mil e não consegue pagar, o fornecedor pode legalmente executar o carro de um dos sócios para quitar a dívida inteira, ignorando o outro sócio. Isso anula a principal vantagem de se ter uma empresa: a proteção do patrimônio pessoal. Um revés no negócio pode significar a ruína financeira da família do empreendedor.
Perigo 2: Conflitos na Gestão e Tomada de Decisão
Operar sem um Contrato Social é como navegar sem um mapa. Não há clareza sobre as funções de cada sócio, o percentual de participação, como os lucros serão divididos, qual o valor do pró-labore ou como decisões estratégicas serão tomadas.
Imagine que um sócio queira reinvestir 100% do lucro para acelerar o crescimento, enquanto o outro precisa de uma retirada para despesas pessoais. Sem um acordo prévio, essa divergência pode paralisar a empresa e destruir a relação entre eles.
A informalidade é um convite ao conflito. Ela impede o planejamento de longo prazo e afasta potenciais investidores, que exigem segurança jurídica e regras claras para aportar capital. O problema se agrava em momentos críticos, como a necessidade de um empréstimo, a entrada de um novo sócio ou em caso de falecimento de um dos parceiros.
Perigo 3: Dissolução Litigiosa e Partilha de Bens
O término de uma sociedade de fato raramente é amigável. Sem regras claras de saída, a divisão do patrimônio — bens, marca, carteira de clientes — quase sempre acaba em um processo judicial longo, caro e desgastante.
Quando a sociedade acaba, como definir o valor da marca que foi construída? Como dividir os clientes? Na justiça, será preciso contratar peritos para avaliar cada ativo, e o processo pode se arrastar por anos, como demonstram inúmeros casos judiciais.
O valor construído pelo negócio pode ser totalmente consumido por custos advocatícios e pela deterioração da empresa durante a disputa. O ativo que os sócios criaram se transforma em um passivo judicial. Provar a contribuição de cada um ao longo do tempo sem registros formais é um desafio imenso, onde argumentos como “eu trabalhei mais” não possuem valor legal.
Módulo de Ação: Sociedade de Fato vs. Sociedade Limitada (LTDA)

Para visualizar a diferença, criamos uma tabela comparativa direta:
Critério | Sociedade de Fato (Informal) | Sociedade Limitada (LTDA – Formal) |
---|---|---|
Formalização | Inexistente. Acordo verbal ou tácito. | Obrigatória. Contrato Social registrado na Junta Comercial. |
Personalidade Jurídica | Não possui. Confunde-se com a pessoa dos sócios. | Possui. É uma entidade separada dos sócios. |
Responsabilidade | Ilimitada e Solidária. O patrimônio pessoal está em risco total. | Limitada ao capital social. O patrimônio pessoal é protegido. |
Relação com Credores | Credores podem acionar os sócios (CPF) diretamente. | Credores acionam a empresa (CNPJ). |
Dissolução | Geralmente judicial, complexa e baseada em provas. | Segue as regras claras definidas no Contrato Social. |
Segurança | Baixíssima. Fonte constante de risco e conflito. | Altíssima. Proteção jurídica para sócios e para o negócio. |
O Caminho Seguro: Como Regularizar sua Sociedade

A regularização é o processo de transformar o acordo informal em um Contrato Social, dando à empresa existência legal e proteção jurídica. Formalizar não é um custo, é um investimento essencial em segurança, sustentabilidade e crescimento. É o que permite que a empresa possa captar investimentos, obter crédito e operar sem colocar em risco o patrimônio de seus fundadores.
O caminho para a segurança jurídica envolve quatro passos claros:
- Passo 1: Alinhar os Termos: Sentar com os sócios e definir por escrito todos os detalhes: percentual de cada um, responsabilidades, valor do pró-labore, regras para entrada e saída de sócios, e como os conflitos serão mediados.
- Passo 2: Elaborar o Contrato Social: Com o auxílio de uma contabilidade especializada, redigir o documento oficial que irá reger a sociedade, transformando o alinhamento em cláusulas legais.
- Passo 3: Registro nos Órgãos Competentes: Protocolar o Contrato Social na Junta Comercial para obter o NIRE (o “RG” da empresa) e, em seguida, o CNPJ na Receita Federal.
- Passo 4: Obtenção de Licenças: Finalizar o processo com as inscrições estadual e/ou municipal e os alvarás de funcionamento necessários para operar legalmente.
Perguntas Frequentes sobre Sociedade de Fato

Como provar a existência de uma sociedade de fato?
Para terceiros, como credores ou funcionários, qualquer prova é válida: troca de e-mails, mensagens em aplicativos, testemunhas ou contas bancárias conjuntas. Já entre os sócios, a situação é mais complexa e a justiça pode exigir um “início de prova por escrito”, tornando a comprovação mais difícil sem um documento.
Um dos “sócios” pode registrar a empresa sozinho no nome dele?
Sim, e este é um dos maiores riscos de golpe. Um dos sócios pode registrar uma empresa formal (seja como MEI ou uma sociedade limitada unipessoal) e alegar ser o único dono do negócio. O sócio que ficou de fora terá que iniciar uma ação judicial cara e incerta para provar a sociedade de fato e reaver seus direitos.
É possível transformar uma sociedade de fato em uma LTDA?
Sim. O processo é exatamente a “regularização” que descrevemos. O Contrato Social é criado para refletir o acordo que já existia na prática, dando a ele validade jurídica, proteção patrimonial e regras claras para o futuro.
Os riscos são os mesmos se a sociedade for com um cônjuge ou parente?
Sim. A lei não faz distinção. Na verdade, os riscos podem ser ainda maiores, pois a confiança familiar geralmente leva a uma informalidade ainda mais acentuada. A formalização é crucial para separar as relações familiares das empresariais, protegendo o negócio de problemas de família e a família de problemas do negócio.
Conclusão
Operar em uma sociedade de fato é como construir um prédio sem fundação. A estrutura pode até parecer firme no início, mas não está preparada para suportar o peso do crescimento ou a primeira tempestade. Os riscos são claros: seu patrimônio pessoal fica exposto, a gestão se torna um campo minado de conflitos e uma eventual separação pode destruir todo o valor construído.
O Contrato Social não é mera burocracia. É a certidão de nascimento, o manual de regras e o seguro de vida do seu negócio e da sua relação com seu sócio.
Se você se identificou com qualquer ponto deste artigo, não espere o problema acontecer. Procure uma contabilidade especializada para orientar sobre o processo de regularização e garanta a segurança, a paz de espírito e o futuro do seu empreendimento.
Sobre o Autor
Júnior Araújo
- Título: Contador e CEO da Junior Contador Digital;
- Registro CRC: SP-345376;
- Formação: Ciências Contábeis – Faculdade de Americana (FAM);
- Expertise Principal: Consultoria contábil e fiscal estratégica, com foco em estratégias de estruturação de holdings patrimoniais, planejamento tributário e otimização fiscal para empresas de diversos portes.
- Conhecimento Adicional: Integração de tecnologia em processos contábeis, Normas IFRS;
- Papel no Blog: Editor-Chefe e autor, compartilhando conhecimento prático para PMEs.
Referências
- https://www.jusbrasil.com.br/artigos/como-comprovar-uma-sociedade-empresarial-de-fato/111821217
- https://caputoduarte.com.br/riscos-da-sociedade-irregular-sociedade-de-fato-e-como-atenuar-esses-riscos/
- https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=partilha+de+bens+em+dissolu%C3%A7%C3%A3o+de+sociedade+de+fato
- https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/am/artigos/vantagens-e-desafios-na-gestao-das-empresas-familiares,5d776f10703bd810VgnVCM1000001b00320aRCRD