O sonho de ter a própria clínica ou consultório é um objetivo comum para muitos profissionais da saúde. No entanto, transformar essa visão em realidade envolve navegar por um cenário burocrático que pode parecer complexo e desafiador. A boa notícia é que, com a orientação correta, o processo se torna claro e gerenciável.
Este artigo serve como um guia direto e objetivo, desmistificando os 4 pilares fundamentais para a formalização do seu negócio na área da saúde. Vamos detalhar cada etapa crucial: a formalização empresarial com o CNPJ, a obtenção das licenças sanitárias, a inscrição nos cadastros setoriais obrigatórios como o CNES e, por fim, a definição da responsabilidade técnica.
O Alicerce do Negócio: A Formalização Empresarial

O que é o CNPJ e por que ele é indispensável?
O Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, ou CNPJ, é o registro que oficializa a existência da sua empresa perante o governo. Pense nele como o “CPF do seu negócio”: um número único que a identifica como uma entidade legal, separada dos seus sócios.
Com o CNPJ, sua clínica passa a existir oficialmente, o que permite emitir notas fiscais, abrir uma conta bancária empresarial (PJ), contratar funcionários sob o regime CLT e, fundamentalmente, firmar contratos com fornecedores e planos de saúde.
Sem um CNPJ, o profissional atua como pessoa física, uma escolha que impõe sérias limitações. Além de restringir o potencial de faturamento, essa modalidade resulta em uma carga tributária significativamente maior, calculada com base na tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Mais importante ainda, impede a celebração de contratos com operadoras de saúde, que invariavelmente exigem a emissão de nota fiscal para realizar os pagamentos.
Nesta fase inicial, a orientação de um contador é indispensável. A escolha correta da Natureza Jurídica (como Sociedade Limitada Unipessoal – SLU ou Sociedade Simples) e do Regime Tributário (Simples Nacional ou Lucro Presumido) impacta diretamente os impostos e a estrutura legal do negócio, sendo uma decisão estratégica que define a saúde financeira da sua empresa desde o primeiro dia.
As Licenças Obrigatórias para a Área da Saúde

Alvará da Vigilância Sanitária: A Garantia de Segurança
A Licença Sanitária, também conhecida como Alvará Sanitário, é o documento emitido pelo órgão de vigilância sanitária local (municipal ou estadual) que certifica que seu estabelecimento está em conformidade com todas as normas de segurança e higiene. É a prova de que o local é seguro para pacientes e profissionais.
Durante a vistoria, os fiscais avaliam uma série de critérios críticos, como os processos de esterilização de equipamentos, o correto descarte de resíduos hospitalares, a acessibilidade para pessoas com deficiência, a adequação da ventilação e se a estrutura física cumpre as normas de higiene, segurança e infraestrutura para os procedimentos que serão oferecidos.
Operar sem essa licença é uma infração sanitária grave, que pode resultar em multas pesadas e até na interdição imediata da clínica. Do ponto de vista do paciente, o alvará visível na parede funciona como um selo de confiança, demonstrando o compromisso do estabelecimento com a sua segurança e bem-estar.
É importante notar que as exigências podem variar consideravelmente entre municípios e de acordo com a complexidade dos serviços. Um consultório de psicologia, por exemplo, terá requisitos muito diferentes e menos rigorosos do que uma clínica que realiza procedimentos cirúrgicos.
CNES: A “Identidade” do seu Estabelecimento no Sistema de Saúde
O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) é o registro oficial de toda e qualquer unidade de saúde — seja um hospital, uma clínica ou um pequeno consultório — junto ao Ministério da Saúde. Ele funciona como o “RG” da sua clínica dentro do sistema de saúde brasileiro.
É por meio do número do CNES que o governo e as operadoras de planos de saúde identificam a empresa. Esse cadastro centraliza informações vitais sobre a infraestrutura, os equipamentos disponíveis, os serviços prestados e os profissionais que compõem o corpo clínico.
Na prática, a importância do CNES é absoluta: sem ele, é impossível realizar o faturamento e receber os pagamentos de convênios médicos. Uma clínica sem CNES é invisível para o sistema, o que inviabiliza a operação para a grande maioria dos modelos de negócio que dependem do atendimento a pacientes de planos de saúde.
O processo de cadastro é detalhado e exige precisão nas informações fornecidas. Além disso, manter o CNES atualizado é uma obrigação contínua. Qualquer alteração relevante, como a contratação de um novo profissional ou a aquisição de um novo equipamento, deve ser prontamente comunicada e registrada no sistema.
A Responsabilidade Técnica e os Conselhos de Classe

O Papel do Responsável Técnico e o Registro no Conselho
Toda empresa que presta serviços de saúde tem a obrigação legal de designar um profissional habilitado como seu Responsável Técnico (RT). Além da responsabilidade individual do profissional, a própria empresa (a pessoa jurídica, com seu CNPJ) também deve ser registrada no conselho de classe correspondente à sua atividade principal.
Os exemplos são diretos: uma clínica médica deve ter um médico como RT e possuir registro no Conselho Regional de Medicina (CRM). Da mesma forma, um consultório odontológico precisa de um dentista como RT e deve estar registrado no Conselho Regional de Odontologia (CRO), e assim por diante para todas as profissões regulamentadas da saúde.
Essa dupla exigência serve como um pilar de segurança para a sociedade. Ela garante a supervisão ética e técnica contínua sobre os serviços prestados, assegurando que apenas profissionais devidamente qualificados estejam à frente das operações de um estabelecimento de saúde, protegendo assim os pacientes.
O profissional que assume a posição de Responsável Técnico assume junto uma grande responsabilidade legal, tanto na esfera civil quanto criminal, pelos atos praticados dentro do estabelecimento. É importante saber também que as regras específicas para o registro da pessoa jurídica podem apresentar pequenas variações entre os diferentes conselhos profissionais.
Checklist Prático: Sua Jornada da Ideia à Inauguração

Use esta lista para não se perder no processo.
- ✅ Fase 1: Planejamento Estratégico
- ✅ Contratar uma contabilidade especializada na área da saúde.
- ✅ Elaborar um Plano de Negócios detalhado.
- ✅ Realizar a Consulta de Viabilidade do endereço na prefeitura.
- ✅ Fase 2: Formalização Empresarial
- ✅ Definir a Natureza Jurídica e o Regime Tributário com o contador.
- ✅ Elaborar e registrar o Contrato Social na Junta Comercial.
- ✅ Obter o número do CNPJ na Receita Federal.
- ✅ Fase 3: Licenciamento e Cadastros
- ✅ Solicitar o Alvará de Funcionamento na prefeitura.
- ✅ Obter o laudo de vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).
- ✅ Protocolar o pedido da Licença Sanitária na vigilância local.
- ✅ Realizar o cadastro da clínica no CNES.
- ✅ Fase 4: Regularização Profissional
- ✅ Registrar a empresa (Pessoa Jurídica) no conselho de classe correspondente.
- ✅ Formalizar a nomeação do Responsável Técnico.
Perguntas Frequentes (FAQ)

Posso abrir uma clínica como MEI (Microempreendedor Individual)?
Não. Atividades de natureza intelectual e que são regulamentadas por conselhos profissionais, como medicina, odontologia, fisioterapia e psicologia, não se enquadram nas categorias permitidas para o MEI. Profissionais dessas áreas devem optar por outros tipos de empresa, sendo a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU) uma excelente alternativa, pois permite abrir uma empresa com um único sócio sem a exigência de capital social mínimo elevado.
Qual a diferença entre o alvará da prefeitura e a licença sanitária?
São documentos distintos e ambos são obrigatórios. O Alvará de Funcionamento, emitido pela prefeitura, é uma licença geral que autoriza sua empresa a exercer atividades comerciais naquele endereço específico. Já a Licença Sanitária, emitida pelo órgão de vigilância sanitária, é específica para a área da saúde e atesta que o local e seus processos seguem as normas de higiene e segurança necessárias para proteger a saúde pública.
Preciso ter todos os alvarás antes de registrar o CNPJ?
Não, a ordem do processo é a inversa. A jornada começa com a formalização da empresa, que inclui a elaboração do Contrato Social e o registro do CNPJ. Somente com o CNPJ em mãos é que você poderá dar entrada nos pedidos de licenciamento, como o alvará da prefeitura, a licença do corpo de bombeiros e, finalmente, a licença sanitária e o cadastro no CNES, que são os últimos passos antes da clínica poder começar a atender os pacientes.
Sobre o Autor
Júnior Araújo
- Título: Contador e CEO da Junior Contador Digital;
- Registro CRC: SP-345376;
- Formação: Ciências Contábeis – Faculdade de Americana (FAM);
- Expertise Principal: Consultoria contábil e fiscal estratégica, com foco em estratégias de estruturação de holdings patrimoniais, planejamento tributário e otimização fiscal para empresas de diversos portes.
- Conhecimento Adicional: Integração de tecnologia em processos contábeis, Normas IFRS;
- Papel no Blog: Editor-Chefe e autor, compartilhando conhecimento prático para PMEs.
Referências
- GOV.BR – Informações sobre Abertura de CNPJ
- Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) – Obrigatoriedade do Alvará de Vigilância Sanitária
- DataSUS – Portal do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)
- AmpliMed Blog – Como abrir uma clínica multidisciplinar